Capítulo 1: A Casa dos Taylor

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"Ás vezes, não há nenhum aviso.
As coisas acontecem em segundos.
Tudo muda. Você está vivo. Você está
morto. E as coisas continuam.
Somos finos como papel.
Existimos por acaso."

— Charles Bukowski


Inglaterra, 1852.

O trem que partia de Londres havia acabado de chegar à estação. O vento gélido batia contra meu rosto, soltando algumas mechas da minha trança e as fazendo balançar bem diante da minha visão. Coloquei-as atrás da orelha e observei o movimento a minha volta, pessoas andavam para todos os lados, mulheres acompanhavam seus maridos ao lado dos filhos e homens bem vestidos voltavam para o lar após um longo dia de trabalho.
Eram seis e quinze da tarde, a noite estava chegando e o céu ficava um meio termo entre claro e escuro que fazia ser a minha hora preferida do dia. Porém, infelizmente, eu não estava ali para observar o céu, e a neblina que chegava dificultava a visão da paisagem de qualquer jeito.
— É neste que a senhorita irá embarcar, assim que chegar à Dover no condado de Kent a Sra. Grace vai estar a sua espera. — O homem do orfanato disse, apontando para o trem que havia acabado de parar. Somente assenti com a cabeça, segurando a mala ao meu lado e alisando a saia do meu vestido.
Antes que eu possa começar a história preciso dar maiores explicações sobre quem sou e o porquê estou entrando neste trem. Me chamo Helene, Helene White. Possuo uma estatura mediana, uma pele clara como leite e algumas sardas no rosto que daria tudo para que sumissem. Tenho dezesseis anos, olhos cor de mel e meu cabelo castanho claro me dá um enorme trabalho para que fique arrumado como o de minha mãe e minhas irmãs. Não vejo nenhuma delas há alguns anos, minha mãe Elizabeth morreu de cólera três anos atrás. Minhas irmãs Emma e Abigail foram mandadas para uma casa assim que chegaram ao orfanato.
Éramos uma família feliz alguns anos atrás, minha mãe cuidava dos afazeres da casa e dos filhos, se orgulhava de deixar tudo na mais perfeita ordem, havia sempre comida boa na mesa e um copo de leite quente antes de dormir. Meu pai, James White, trabalhava em uma mina, sempre voltava para casa reclamando das condições de trabalho e do quanto odiava sua vida e como todos nós éramos inúteis e imprestáveis. Logicamente ele se agarrava à uma garrafa de rum ou whisky e bebia até adormecer, no melhor dos casos, do contrário eu e minhas irmãs éramos trancadas no quarto e só o que podíamos ouvir eram os gritos de minha mãe. Contudo, olhando para trás agora, mesmo que na época eu pensasse diferente, éramos felizes.
Em Outubro de 1851 meu pai faleceu. Houve um grande acidente na mina onde trabalhava e policiais vieram bater na nossa porta para nos levar ao orfanato. Minha irmã mais nova Emma de quatro anos não parava de chorar o caminho inteiro, Abigail, de dez anos, não disse uma palavra, não emitiu um som e nem mexeu um músculo do rosto para demostrar qualquer emoção. Apenas foi para nosso quarto e juntou seus pertences em uma mala pequena, como se estivesse se preparando para uma viagem em família. — Estou pronta. — disse casualmente, parando ao meu lado na porta de entrada.
Uma semana depois minhas duas irmãs foram adotadas por um casal que estava de passagem por Londres. Foi tudo o que me foi dito. Por mais que eu gritasse, perguntasse, chorasse, a mulher do orfanato não me disse mais nada. Mas me fez ficar sem café da manhã por um mês inteiro como castigo por desobediência. E simples assim escapou de minhas mãos tudo o que me restava da minha família, estava sozinha no mundo.
Um ano se passou, dou um passo a frente segurando a minha mala de couro simples e pesada, encontro meu assento no vagão bem ao lado da janela. O homem do orfanato acena para mim em despedida, mas não espera até que o trem parta, vira de costas e some em meio a multidão.


A viagem foi rápida, mal tive tempo de cochilar por um tempo decente quando o vagão deu um solavanco que quase me jogou no chão. Abri os olhos confusa e olhei pela janela "Estação de Dover" estava escrito em letras grandes bem acima da passagem em formato de arco. Continuei olhando lá para fora por algum tempo, eu temia o futuro e ao mesmo tempo ansiava por ele. Respirei fundo, ajeitei minha trança, peguei minha mala e saí do trem.
— Senhorita White? — uma mulher de meia idade me abordou algum tempo depois, eu assenti com a cabeça e ela abriu um sorriso tímido. Usava um vestido de renda vinho de mangas compridas e o cabelo preso em um coque na nuca. — Sou a Senhora Grace, a governanta da casa, vou te levar até a residência dos Taylor, queira me acompanhar por favor.
A segui até a saída da estação onde algumas carruagens estavam paradas, a mulher fez um gesto para que eu colocasse minha mala na parte de trás e subiu ao lado de um homem jovem.
— Vamos! — Falou ao notar que eu ainda estava parada encarando as pessoas a minha volta — Este é William, ele cuida do jardim e de alguns serviços em geral, vamos suba.
Subi ao seu lado no banco da carruagem e tentei lutar contra o vento que batia em nosso rosto, para que meu cabelo permanecesse no lugar, a última coisa que queria era chegar na casa toda desarrumada e acabar causando uma má impressão. Era a minha oportunidade de ter um futuro bom.
O caminho até a casa foi encantador, nunca havia visto nada parecido, cresci em Londres onde as pessoas eram rudes umas com as outras e mal se olhavam nos olhos, em Dover elas olhavam para a Sra. Grace davam sorrisos e a cumprimentavam.
— Ali é a mercearia — falou apontando para uma rua à esquerda — fica perto do armarinho e de algumas lojas, e é claro o pub, que uma moça como você deve ficar o mais longe possível.
Olhei em volta notando a fumaça formada pela iluminação à gás, as construções eram basicamente de pedra e madeira e havia pequenos canteiros de flores de todas as cores em todos os cantos.
— Aqui é a praça da cidade, onde geralmente acontecem os eventos de mais importância como feiras e festivais, temos um monte por aqui a senhorita irá gostar. — Sorri animada com a possibilidade.
A praça era grande, rodeada de canteiros floridos e árvores de várias espécies, era tudo muito bem cuidado, inclusive um canteiro bem na ponta da praça escrito "pomar da cidade" onde parecia ser algum tipo de horta comunitária. No centro da praça havia um lago grande com uma ponte que a cruzava, a água refletia as nuvens e a iluminação dos postes. Pensei que deveria ser muito bonito de dia e fiquei me imaginando saindo para uma caminhada pela manhã.
— Está me ouvindo Srta. White? — acordei repentinamente de meus devaneios e abaixei a cabeça envergonhada.
— Me desculpe senhora, me distraí um pouco com a paisagem, não vemos praças bonitas assim em Londres.
— Tudo bem menina, logo você irá se acostumar.
O resto do caminho foi em silêncio, as construções de pedra foram sumindo e dando lugar à campos de plantações de lavanda e alguns outros tipos de flores e plantas, o aroma era maravilhoso. As árvores ficaram mais densas cobrindo parte da rua de pedra e algum tempo depois subimos uma pequena colina onde pude avistar pela primeira vez a residência dos Taylor.

Amor e Outras GuerrasWhere stories live. Discover now