Candidata Nº1 (PARTE 1)

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Ayana acordou junto com os primeiros raios de sol. Era um costume antigo que ela gostava de manter. Enquanto o palácio e todos nele estavam adormecidos, ainda se recuperando das festividades da noite anterior ela estava pronta para sair. Usando uma camisa de algodão lilás e uma calça branca e flexível ela juntou seu cavalete, suas tintas e seus pinceis e saiu de seu quarto em direção ao seu novo lugar preferido no palácio. Ayana costumava pintar no estúdio, a luz era excelente e lá ela não precisava se preocupar em carregar as coisas, mas ela não era a única que pintava no estúdio. Quando Natalie começou a aparecer por lá e lançar um ou outro olhar venenoso na direção de Ayana ela soube que precisava achar outro lugar para praticar. Ela encontrou as adegas por acidente, mas acabou ficando tão confortável que começou a levar seus materiais de pintura. O lugar era escuro e úmido, mas alguns ousados raios de sol entravam pelas frestas e se dissipavam na forma de filetes de luz dourada. A poeira que passava por aqueles raios de sol, dançava e brilhava como se fosse pó de ouro. Se para a maioria dos pintores, talvez aquele lugar sóbrio não fosse o ideal de pintura, para Ayana parecia um paraíso. Ela gostava dos temas mais sombrios, e tinha sido assim desde sua infância quando ela costumava conversar com seu amigo imaginário que vivia dentro de um bosque nas redondezas de sua casa. Ela passava horas naquele lugar e seu amigo lhe contava todo tipo de historias, sobre as Sombras que viviam nas montanhas e sobre feéricos que eram tão poderosos e cheios de magia que ninguém ousava a enfrentá-los. Apesar de seu amigo ter uma preferência clara pelos feéricos ela se afeiçoou mais as historias das Sombras. Ela costumava passar horas nas bibliotecas procurando por mitos das Sombras, cada pedaço da historia em que elas apareciam era um novo mistério. Apesar de não acreditar realmente que tais monstros existiam, seus poderes a fascinavam. Em qualquer lugar do país era possível encontrar pessoas que diziam conhecer alguém que havia morrido nas mãos das Sombras. Um corte. Isso era tudo que as Sombras precisavam para roubar vidas inteiras. O veneno delas era letal e quando em contato com a corrente sanguínea deixava o individuo com poucas horas de vida. Nas historias a única pessoa que tinha sobrevido as Sombras era a rainha Despherya Vishous de Arzua, de acordo com as historias o amor príncipe Torture Phury foi capaz de salvá-la, mas em troca disso ele teve que abrir mão da própria vida. Domada pela dor e pelo desejo de vingança, Despherya reuniu um exercito de vinte mil mulheres e homens e marchou contra as Sombras. Usando uma magia poderosa e desconhecida ela foi capaz de prender as Sombras nas Montanhas Endorlier. Endorlier era uma palavra do Idioma Antigo para pesadelo. Como sempre acontece com o folclore, as historias se espalharam pelo país, uma versão diferente em cada província. Rica e cheia de fantasia e magia, nada em que Ayana acreditasse. Ela sabia que magia existia, ela possuía sua própria magia Florata para provar isso, mas além de seu dom natural ela não sabia quase nada de magia e o pouco que ela sabia se devia as aulas que ela tivera no palácio. Sua arte por outro lado era o retrato visual das historias que ela ouvira e lera. Seus quadros eram conhecidos pelos tons escuros e pelo mistério impresso neles, com um inimigo sombrio sempre a espreita. Eles tinham ficados mais sombrios após a morte de seus pais, a arte era a maneira que Ayana se expressava, seus quadros eram o único lugar em que ela podia falar livremente sobre seus sentimentos. Eles eram como um diário em que ela narrava sua vida e apesar de serem inteiramente pessoais ela não se importava em expô-los, as pessoas raramente podiam lê-los claramente. Ayana se concentrou em suas pinceladas, delicadas e precisas, firmes e categóricas. Uma pitada de verde musgo aqui e outra de verde esmeralda ali, era a mesma cor e ainda assim eram completamente diferentes. O padrão se estendeu pelo quadro ate que ela percebeu que estava pintando o poço que havia no bosque onde ela costumava brincar, suas mãos trabalhavam em perfeita harmonia com sua mente, recriando o mesmo cenário que ela já vira milhares de vezes. Ela estava tão imersa em seu trabalho que não percebeu que a temperatura nas adegas estava caindo ate que sua respiração se tornou visível a sua frente. Era inverno e ela sabia disso, mas o palácio era sempre quente. Foi assim que soube que algo estava errado. Ela se virou devagar, tomando todo cuidado do mundo para não fazer nenhum movimento brusco. Ela viu a forma negra se erguer ficando muito maior que ela, a primeira coisa que passou pela sua cabeça era que devia ser um cachorro, mas então ela focalizou seus olhos. Era uma cavidade oca e bulbosa com um brilho vermelho reluzindo, seu corpo etéreo e aparecia e desaparecia como Sombras ondulando. Por um breve momento ela sentiu uma ridícula vontade de rir, a apenas alguns segundos antes ela estava pensando em Sombra e em com elas não existiam parecia que o destino estava querendo provar um ponto não é mesmo? Aquilo não era um cachorro, era um lobo escuro e cinzento, feito de Sombras e ela sabia muito bem, que se uma historia era verdade todas poderiam ser. O que significava que aquele lobo não precisava de muito para matá-la. O medo começou a bombear adrenalina em suas veias, fazendo com que seu cérebro rapidamente começasse a planejar sua fuga. O lobo estava entre ela e a saída, então aquela não era uma opção, magia talvez pudesse desconjurar o lobo, mas ela não dominava o suficiente para fazer isso. Por outro lado, se teve algo que Ayana aprendeu em sua província é que flores podiam criar uma excelente barreira. A garota se concentrou, tentando apagar a imagem do lobo que a espreitava, tentado acessar a parte mais pura e poderosa de si mesma, o lugar onde estava sua magia. Não era possível ordenar a natureza que fizesse nada, mas Ayana podia pedir. Ela ouviu o chão de madeira sendo quebrado enquanto milhares de raízes se movimentavam sob seus pés. A muralha de raízes e espinhos se ergueu de frente para ela, não eram raízes grossas então ela não tinha muito tempo. O lobo que ate aquele momento dava passadas calmas e controladas em sua direção iniciou uma corrida e Ayana o imitou saindo pela direção oposta. Ela viu logo a sua frente um amontoado de barris de vinho que se empilhavam ate o teto deixando uma pequena entrada próxima ao chão. Era o suficiente para que ela passasse, mas não para o lobo. Com uma jogada rápida de suas pernas ela entrou no minúsculo espaço entre os barris de vinho e as paredes. Pela fresta em que entrara a garota podia ver que o lobo destruía com ferocidade as raízes que ela tinha conjurado. Os barris não teriam um destino melhor, em breve não haveria nada entre ela e a besta. Ayana queria reunir suas forças e gritar, mas sua garganta estava seca e ela tremia de mais. Ela não pode evitar de pensar que seria ridículo percorrer uma caminho tão longo apenas para morrer nas mãos do objeto de sua fixação. Ridículo e poético. Ayana soube exatamente quando o lobo venceu sua muralha de raízes, cada passo dele em sua direção fazia o chão tremer como se a terra estivesse agitada em seu núcleo. O primeiro impacto do lobo contra os barris fez com que eles se balançassem perigosamente, ondulado e ameaçando cair sobre ela. Em retrospecto se esconder ali não tinha sido uma de suas ideias mais brilhantes. O impacto voltou a se repetir e dessa vez um dos barris caiu, Ayana se moveu rápido, mas por causa do pouco espaço ela quase foi atingida. E cada batida em que o lobo se lançava soava como o coração de um gigante adormecido, Ayana já tinha desistido, não havia muito o que ela pudesse fazer. Ela olhou pela fresta uma ultima vez e viu um relance rápido de cor, um tom verde tão intenso que ela sorriu. O lampejo de cor foi a ultima coisa que ela viu antes dos barris caírem diretamente sobre sua cabeça.

A Herdeira Do TronoWhere stories live. Discover now