Cap 6

646 93 8
                                    

Diogo

Duas, três....quatro horas da manhã!
Olhei para o teto do quarto, irritado. O sono não vinha. Nesse horário era comum eu estar em alguma festa ou na cama com alguma mulher.
Meu horário de dormir era durante o dia.
Só que eu não poderia simplesmente abandonar a garota ali e sumir na noite. As coisas estavam mais complicadas como nunca.
Que merda!
Minha mente fazia questão de lembrar da respiração dela com dificuldade diante das minhas palavras indecentes. Eu tinha vontade de fazer tantas coisas com aquela mulher que me sentia até sujo. E eu era o Diogo! O cara ferrado!
Decidi ir até a cozinha beber uma cerveja. Poderia ajudar.
Quando acendi a luz, levei um susto.
Me deparei com a minha meia Irma, Julie, aquela recém descoberta do meu pai.
Ela encontrou uma mulher em uma balada, dormiu com ela, a garota engravidou, nunca conta para ele, falou  que a Julie era filha de outro homem. Quando a filha nasceu abandou a menina com a avó e sumiu no mundo. Quando Julie era adolescente a avó morreu e ela ficou sozinha no mundo. Ela decidiu que se vingaria da mãe e do pai e passou a vida juntando recursos para isso.
Então, quando teve condições para isso, descobriu que a vadia da mãe tinha mentido sobre o pai e foi então que chegou até meu pai e a mim.
- Diogo- ela falou alto, também assustada- quase me mata de infarto- completou colocando a mão no peito.
- você está sozinha, de madruga, na cozinha da minha casa. Eu que deveria ficar assustado.
Ela sorriu meigamente. Era meu oposto. Julie parecia uma anjo, tanto na beleza quanto no coração. Aquela mulher daria o mundo para qualquer pessoa que pedisse.
Sempre a tratava mal. Fazia parte de mim ser assim. Isso não quer dizer que não ficava incomodado com isso.
- me desculpe. O Joe foi viajar a negócios e eu resolvi vir dormir aqui com as meninas. Aliás precisamos desmarcar o almoço.- ela tinha duas filhas, gêmeas. Cópias da mãe fisicamente e geniosas como o pai. Me esforcei para não sorrir com a lembrança.
- e o que faz aqui no escuro- abri a geladeira e peguei duas latas de cerveja.
- eu estava com sede. Preferi não acender nenhuma luz e vim com a ajuda da lanterna do celular. Morro de medo que aquelas duas pestinhas acordem. Aí teria que brincar de esconde esconde as quatro da manhã.
- certo- abri uma lata, virando quase toda de uma vez- já vou nessa.
- você não deveria estar em alguma festa ou na delegacia?- ela perguntou brincando.
Essa era minha vida. Festas, baladas, corridas e por fim alguma encrenca que me levava até a delegacia.
- não te interessa- falei secamente- coisas minhas.
Ela não era minha confidente. Ninguém nunca seria.
Julia sorriu, mesmo diante da minha falta de educação. Me odiei.
- vou nessa.
Sai sem encompridar a conversa.
Impaciente, abri a porta de vidro que dava acesso a área de lazer e me sentei na beirada da piscina, nas escuridão.
Senti minha mão latejar. O murro no vidro do carro tinha deixado alguns cortes.
Fiquei tentando me lembrar de algum momento da minha vida onde eu tinha sido feliz. Estava nostálgico, droga!
Muitas pessoas acham que você precisa ter ter dinheiro, a melhor casa, o melhor carro....e que tudo isso vai ser o resultado de felicidade plena.
Eu tive tudo e me sentia o mais pobre do seres humanos.
Nunca precisei pedir duas vezes. Tive as melhores bicicletas, os mais modernos jogos, roupas de marcas, viagens mundo afora.....tive tudo, menos amor.
Com o tempo você aprende que nada substitui a falta de amor. Nas horas mais frias da vida não existe nada que substitui um abraço verdadeiro. O dinheiro não compra, os objetos não substituem.
Escutei passos se aproximando. Bufei irritado. Não estava para conversa hoje. E nunca!
- olha Julie, preciso de espaço agora. Pode ir para outro canto?
- não é a julie- escutei uma voz doce, acuada.
- serve para você também, o convite para se retirar.
Se a julie já não era bem vinda, ela muito menos.
- não consigo dormir- sussurrou- posso ficar aqui com você?
"Não" seria a reposta correta. No entanto, decidir pegar leve. A garota já tinha passado por muitas coisas em um único dia.
- se não me irritar, pode.
Me atrevi a olhá-la. Na escuridão da noite, a lua refletia seus contornos perfeitos.
Desejei por um minuto que tudo fosse diferente. Que eu pudesse ser um homem descentes e por uma noite afagar seus medos e anseios.
Se aproximando, sentou ao lado da piscina, colocando os pés para dentro da água.
O silêncio voltou a reinar depois disso, por muitos minutos.
- tem medo da escuridão, Lorena?
Virei o resto de cerveja, esperando sua resposta.
- você tem?- ela rebateu com outra pergunta.
- não. Não tenho medo de nada. Tenho gostos diferentes pela noite e o dia, não medo. Eu sou apaixonado pela noite e odeio o dia.
- eu fico apavorada na escuridão. Sinto meu corpo em alerta, meus sentidos aguçados- suspirou- pareço um ouriço assustado a noite, já o sol....ah o sol é a vida. Porque alguém odiaria o dia?
- o dia traz à tona todos os defeitos, desnuda aquilo que está por trás dos olhos. Os demônios devem ficar escondidos na noite.
- porque sempre se coloca dessa forma?
- não estou falando de mim- que bom que o escuro não permitia enxergar o olhar irritado que dirigia a ela- você sempre interpreta o que falo, as minhas ações. Me conhece a menos de um dia e se coloca no direito de interpretar até meu olhar. Não sou esse tipo de cara. Está enganada. Se afaste de mim.
Era um aviso.
O clima ficou tenso. Se podia sentir no ar como as coisas ficaram pesadas.
A respiração dela se acelerou. Estava com medo.
Sorri. Gostava daquilo, da caça.
- não estou te interpretando, muito menos me aproximando. Você é muito prepotente e arrogante, se achando o melhor do mundo.
Percebi quando ela se levantou rapidamente, quase indo de boca para dentro piscina. Eu a tinha irritado.
Me arrependi por não ter trazido uma bebida mais forte. A festa tinha começado a ficar boa.
- amanhã, não vai mais me encontrar aqui- ela ameaçou.
A conversa mudou de tom diante da sua ameaça.
Fui rápido o suficiente para ficar em pé e segurar seu braço antes que ela saísse correndo.
- se sair dessa casa eu busco você no inferno- sussurrei. Eu era um cara que sempre gritava, mas eu sabia que ela estava assustava demais- E olha que eu conheço bem o inferno. Não se atreva a sair daquele quarto, para o seu bem. E quando eu mando se afastar de mim, é porque eu sou o cara mais errado e o que toco, eu marco.
E antes que eu pudesse me conter, me aproximei, afastei lentamente os cabelos do seu pescoço e deixei meu lábios lá, sugando seu perfume.
De todas as rotas da minha vida, de todos os destinos do meu mundo, de tudo que tocava a marcava, ali, naquele instante, pela primeira vez, uma mulher tinha tocado o meu coração.
E na verdade, quem estava sendo marcado, era eu.

Inexplicável amor  (degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora