Inexplicável amor (degustação)

Cap 3

Lorena

Cada minuto que passava eu me sentia mais suja. Meu corpo me traia, deixando os tremores serem visíveis para quem se aproximasse.
Como em uma vitrine, eu estava exposta como um produto a venda. Dezenas de homens se aglomeravam ao meu redor, com olhares tão perversos que me fazia desejar nunca ter nascido.
Já sabia o que enfrentaria no final da noite. Só não tinha certeza se estava preparada para enfrentar tudo aquilo.
Houve um tempo em que cheguei a sonhar com príncipe encantado, imaginar o dia do meu casamento....as lembranças trouxeram lágrimas nos meus olhos e as afastei. Nada seria mais humilhante que chorar na frente daquelas pessoas.
- você vai acabar gemendo no colo do papai no final da noite- alguém disse.
Me encolhi um pouco mais, se é que isso seria possível.
- desencana, Fred. Ela vai acabar de joelhos na minha frente- outro debochou.
Estava prestes a vomitar, quando um apito soou e eles se afastaram.
Das centenas de pessoas, milhares de barulhos e infinitos estímulos que me cercavam, meu olhar se focou em alguém. Vestido de preto, a pela branca coberta por tatuagens negras e o olhar sombrio, me fizeram ver além. Tinha alguém ali que não estava olhando meu corpo, me desejando. Ele olhava além....tinha compaixão dentro daquele olhar.
Foi forte demais para que eu pudesse suportar e uma lágrima rolou pelo meu rosto.
Senti vontade de sair correndo, encostar no seu peito e chorar por horas.
Incapaz de continuar o encarando, abaixei o rosto e sequei a lágrima, envergonhada.
Ninguém ali a tinha visto, exceto ele. O anjo negro!
- vem, você vai ser apresentada devidamente- alguém pegou no braço, me arrastando para algum lugar que não me preocupei em saber qual era.
Fui colocada no meio da rua, entre dois carros.
- é isso galeraaaaa- o cara gritou com a ajuda de um microfone- vamos começar o campeonato mais desejado do ano. Vamos apresentar os competidores, os dez melhores, os mais temidos. Ninguém será mais o mesmo depois dessa competição.
Gritos e salvas de palmas ecoaram por todos os lados. As pessoas pareciam extasiadas.
Outros carros começaram a se movimentar, formando duas fileiras de cinco.
Olhei para o chão, sem saber como me portar diante de tudo aquilo.
- vamos ter várias rodadas. Em cada uma, o carro que fizer o pior tempo está fora- ele se virou para traz, onde os carros estavam estacionados- as regras vocês já conhecem. Agressões físicas nas corridas significa expulsão, bater no carro do outro significa pagamento.....
Ficou listando por alguns minutos as regras, como se tudo aquilo fosse o negócio mais honesto do mundo.
- antes de falar da premiação, vos apresento os competidores. Fred Ballibam- um dos idiotas que tinha falado comigo a pouco abriu a porta do primeiro carro e saiu de dentro, ficando apoiado na porta.
As pessoas batiam palmas.
- Rick Marlan- ele continuou. A cada apresentação, o competidor saia do carro e a plateia gritava- , Laerte Caper, Guto Farten, Alison Kellt, Marlon Joka, Pedro Faria, , Marcão Goncalvez, Henrique nosso Feraaaaa.....
Quando escutei aquele nome perdi as forças. Me segurei no primeiro carro que estava mais próximo e tentei não perder o equilíbrio. Ele estava ali, o meu pior pesadelo.
- ei. Levanta agora, garota- o apresentador se baixou tirando o microfone da boca e gritou- melhor se comportar ou não vai gostar do castigo.
Eu preferia morrer a estar nas mãos do Fera.
Me recompus na maneira do possível. Fiquei ereta novamente, sem me atrever a olhar mais nada, focando o chão.
- e por ultimo nosso mais temido: Diogo Gustaman, o Dragão.
Naquele momento as palmas se intensificaram. Os gritos eram ensurdecedores. Então, sem nem mesmo olhar eu soube que era ele, o anjo negro.
Traída por meus próprios olhos, arrisquei um olhar e o encontrei, apoiado no carro, olhando para mim de forma arrebatadora. Era um misto de ódio, desejo, compaixão. Tinha tudo dentro daquele olhar!
- comecem suas apostas, arrebentem nas torcidas, vibrem juntamente com os motores e lhes garanto o melhorrrrr show do ano!
Um furor tomou conta de todos novamente. Vários homem uniformizados de preto começaram a circular com papéis e dinheiro. As apostas  estavam abertas.
- e a melhor parte de tudo- o apresentador continuou quando permitiram na diminuição das vozes- e o prêmio, não é galera? - elevando os braços, ele pediu uma reposta da plateia que gritou "sim" em uníssono- além do prêmio de 200 mil reais, vamos ter nossa boneca de ouro.
Nesse momento resolvi entrar em estado mudo. Deixei de ouvir, fechei os olhos e só respirei. Respirei profundamente. Os gritos ficaram distantes, algumas mãos que me tocavam deixaram de ter importância e tentei me lembrar de alguma coisa que me mantinha viva todos os dias.
O rosto do meu irmão veio em mente. Sorri com a lembrança. Tentei me lembrar de algum sonho, mais alguma coisa e não me deparei com mais nada.
Com o ar faltando aos pulmões, tentei me desvencilhar dos braços que me seguravam e quando dei por mim estava correndo no meio da multidão. Eu precisava fugir, encontrar um lugar para me esconder. Trombei em alguém que gritou algum xingamento, mas não me deteve.
Corri mais do que podia, muito mais do que meu corpo aguentava. Tudo em mim gritava por socorro....um auxílio que não viria. Não quando as únicas pessoas no mundo que deveriam ter te protegido, tinha te vendido.
Me lembrei que estava de salto, quando um pé perdeu o equilíbrio é só não fui para o chão porque tinha alguém na minha frente. Alguém me segurou.
Um medo sem fim invadiu minha mente, me fazendo recusar olhar o que estava à frente. Como um borrão, meus olhos turvos pelas lágrimas estava confuso.
Senti mãos quentes pegarem delicadamente na minha nuca e fui conduzida até encostar no peito de um estranho.
Incapaz de me manter em pé sozinha, me deixei encostar e chorei. Deixei os soluções escaparem da minha alma. Deixei os medos extrapolarem por meus olhos. Eu simplesmente deixei......
Quem quer que fosse não disse uma palavra. Não estava se permitindo nem respirar. No entanto, suas mãos  faziam uma carícia tão suave em meus cabelos que intensificava minhas emoções e consequentemente meu choro.
- me tira daqui.....me leva embora. Só me tira daqui.....-implorei entre os soluços- eu preciso sair daqui, não consigo respirar.
- você está quebrando as regras da competição. Solta a garota e volte lá lugar por ela. Qual o seu problema, cara?- alguém chegou gritando, irado.
Então eu soube que era um dos competidores e sem nem olhar, sabia que era ele. Era o anjo negro.
- volta você para a merda da sua competição antes que eu arrebente sua cara. A garota já vai.
As palavras duras fizeram com que o outro nem questionasse.
- abra os olhos - ele me pediu, afastando meu rosto do seu peito, mas mantendo em suas mãos- olha para mim garota.
Obedeci. Talvez nunca o devesse ter feito. Meu olhos tão próximos daquele  olhar me fizeram esquecer todo o resto mundo. Tinha tanta compaixão ali dentro, que me fizeram querer olhar para sempre ali.
- não dá para fugir de caras como esses. Não dá para correr e não voltar. Preciso que você seja forte. Necessito que volte para lá e seja forte. E em troca, faço uma promessa para você- suas mãos apertaram mais fortemente meu rosto- eu prometo que vou vencer esse campeonato e te deixo livre.
- eu não consigo.....
- você consegue, só de olhar para você sei que é uma guerreira e consegue. Eu estou te pedindo por favor que faça isso.
- eu não quero mais ser guerreia. Eu desisti da luta. Estou me rendendo- sussurrei, encarando o chão, derrotada.
- eu não permito que você desista. Já desisti uma vez e te garanto que não tem volta. Fica firme, garota.
- e se você não ganhar?- ergui o olhar.
- eu te fiz uma promessa. Eu nunca deixo de cumprir promessas.
Então ele me soltou e se foi. E eu não soube o porque acreditei. Não soube como foi que fiz, mas caminhei de volta para a pista de corrida.