Legado - Parte 5

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O legado ocupou o Bastião. A Companhia iniciou a desocupação. Era mais ou menos 3 horas da madrugada e as ruas estavam vazias.

Depois de marcharmos dois terços do trajeto até o Portão da Alvorada, o Capitão ordenou uma parada. Os sargentos reuniram todos os soldados ainda capazes de lutar. Os outros continuaram com as carroças.

O Capitão nos levou ao norte até a Avenida do Antigo Império, onde os imperadores de Berílio tinham imortalizado a si mesmos e a seus triunfos. Muitos dos monumentos eram bizarros, e celebravam minúcias como um cavalo favorito, gladiadores ou amantes dos dois sexos.

Eu tive um pressentimento ruim antes mesmo de chegarmos ao Portão do Lixo. A sensação ruim se tornou desconfiança, e a desconfiança floresceu em uma certeza tenebrosa quando entramos nos campos marciais. Não há nada perto do Portão do Lixo além da Caserna da Forquilha.

O Capitão não fez qualquer declaração específica. Quando alcançamos o complexo da Forquilha, todos sabíamos o que iria acontecer.

As Coortes Urbanas continuavam tão desleixadas como sempre. O portão do complexo estava aberto e o vigia solitário, adormecido. Marchamos para dentro sem resistência. O Capitão começou a designar tarefas.

Restavam ainda 5 a 6 mil homens ali. Os oficiais tinham restabelecido alguma disciplina, tendo convencido os soldados a devolver as armas aos arsenais. Tradicionalmente, os capitães de Berílio só confiavam armas aos comandados às vésperas de uma batalha.

Três pelotões foram direto aos alojamentos, matando homens em suas camas. O pelotão restante estabeleceu um bloqueio nos fundos do complexo.

O sol já tinha nascido quando o Capitão se deu por satisfeito. Nós batemos em retirada e nos apressamos em alcançar a caravana de bagagem. Não havia um único homem em nosso meio que não estivesse saciado.

Obviamente, não fomos perseguidos. Ninguém veio estabelecer um cerco a nosso acampamento no Pilar da Agonia. Isso foi o motivo do massacre que promovemos. Isso, e o alívio de vários anos de raiva acumulada.

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Elmo e eu estávamos na ponta do promontório, observando o sol da tarde brincar de se esconder atrás de uma tempestade bem ao longe no mar. A chuva tinha chegado dançando e transformado nosso acampamento num pântano com seu dilúvio de frescor e, então, seguido de volta ao mar. Era algo belo de se ver, mesmo que não particularmente colorido.

Elmo não havia falado muito nos últimos tempos.

— Alguma coisa te incomodando, Elmo?

A tempestade entrou na frente da luz, dando ao mar o aspecto de ferrugem. Eu me perguntei se o ar fresco teria alcançado Berílio.

— Eu diria que você é capaz de adivinhar, Chagas.

— Eu diria que sou. — A Torre de Papel. A Caserna da Forquilha. Nosso tratamento ignóbil a nosso contrato. — Como você acha que vai ser, ao norte do mar?

— Acha que o bruxo negro virá, hem?

— Ele virá, Elmo. Só está tendo algumas dificuldades em botar as marionetes para dançar conforme a música dele. — E quem não teria, tentando domar aquela cidade insana?

— Hum. — E em seguida: — Olha ali.

Uma manada de baleias mergulhou além das pedras que cercavam o promontório. Eu tentei fingir que não ficara impressionado e fracassei. Os monstros eram magníficos, bailando no mar de ferro.

Estávamos sentados de costas para o farol. Parecia que olhávamos para um mundo jamais profanado pelos homens. Às vezes suspeito que o mundo estaria melhor sem nós.

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