Voo solo.

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No dia seguinte, acordei já no horário do almoço. Percebi que a senhora Ewkoski não gostava mais de mim. Me arrumei e desci as escadas, todas as poucas pessoas na recepção me olhavam com desprezo. Ouvi cochichos.

- Só pode ter sido ela a vandalizar a loja. Anarquista.

Anarquista? Sério? Daqui a pouco iriam me chamar de bruxa e tentar me queimar na fogueira. Sinceramente, se tem uma coisa de que não sinto falta, é dessa sua cidade hipócrita.

Resolvi tomar um ar. Não iria gastar meu dinheiro comprando nada dessa cidade. Fui andando por aí, sem rumo e sem direção.

Por coincidência, ou não, seu carro passou bem ao meu lado. Você estacionou em minha frente e desceu desesperado.

- Ei, Karma. Eu sinto muito, muito mesmo. Minha mãe fica insensível quando está brava.

Minha cara de tédio anunciava o quanto eu não me importava.

- Tudo bem. Já me acostumei. As pessoas tendem a repreender qualquer um que ouse sair dos moldes socialmente aceitos. E olha que nem fiz nada de mais. Agora, se me der licença, vou tentar recuperar minha passagem para a Catalunha.

- O quê? Não! Está muito cedo!

- O que mais posso fazer aqui? Já vivi a experiência de uma cidade suburbana conservadora e não gostei.

- Mas você ainda não teve a experiência completa! Hoje tem a festa tradicional na casa do prefeito, todos os moradores irão. É um baile para comemorar o aniversário da Estátua do Fundador da cidade.

Eu ri.

- Que coisa idiota!

Você riu também.

- Eu sei, mas tem champanhe e música lenta.

- Não tenho roupa para isso.

- Não importa. Só vá. Quero dançar com você e não com suas roupas.

Era quase impossível ficar com raiva de você, o que na verdade não tinha motivo já que você realmente não havia feito nada.

Aceitei. Passamos o resto da tarde no quarto da pousada assistindo uma maratona de Lost na televisão e discutindo nossas teorias bizarras.

Quando chegou a hora, você foi para casa se arrumar. Coloquei o único vestido que eu tinha trazido, um preto bem colado e curto, de alcinha. Por sorte ele não era decotado.

Para além do meu all star surrado eu só tinha uma sapatilha preta básica. Meu cabelo escuro estava lindo e brilhante, passei uma maquiagem simples (a única que tinha levado) e para destacar usei um batom vermelho. O que eu não faria por você, Nate?

Fomos juntos, ao entrarmos sua mãe me fitou com olhos de cobra. A cidade inteira comentava sobre você e a "hippie descontrolada e fornicadora". A única coisa que conseguíamos fazer era rir.

Você me puxou para dançar bem na frente de todos eles. Foi maravilhoso. Sua mão na minha cintura era capaz de me fazer derreter. Seu cheiro era tão delicioso que eu tinha vontade de me enterrar em seu pescoço. A cidade inteira que observava com olhos julgadores nem ao menos passava por minha mente.

A cada música que dançávamos, sua mãe virava uma taça de champanhe. Finalmente chegou a hora do discurso do prefeito.

- Olá moradores e amigos de Pointside. Tenho a honra de anunciar o aniversário da estátua de Honortius Gerard-Pointmid, o fundador de nossa querida cidade.

Todos aplaudiram, ele continuou:

- É perceptível que parte do nome de nossa cidade provém de seu sobrenome e...

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