Mudanças sutis

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Com o passar dos meses, agora residindo no município de Paulínia, Michele começa sentir coisas estranhas acontecerem com seu corpo.
Os enjoos, vômitos e a tontura passam a ser parte constante de seu dia-a-dia. "Deve ser efeito colateral de alguma droga" pensava ela. Eles tinham experimentado a heroína recentemente, o que lhe sustentava a hipótese. Mas Reginaldo não apresentava nenhum desses sintomas, apenas ela, o que a intrigava. Não muito tarde, as fortes dores no útero juntam-se também às outras indicações, o que era muito estranho, já que seu período menstrual estava distante. Tudo isso só podia indicar uma coisa... Aos poucos ela começa aceitar uma possibilidade que se passava por sua cabeça.

          Percebendo o estado de Michele, Reginaldo já começava a desconfiar do que se tratava, no entanto não tinha total certeza e por isso não queria arriscar presupor. Mas uma certa tarde, enquanto dividiam uma marmita sentados numa calçada, sua namorada sente uma forte ânsia de vômito e regorjita tudo que havia comido. Com aquilo, as suspeitas dele iam se se auto-afirmando.

          - Michele, - chama Reginaldo, enquanto lhe dava uns tapinhas nas costas- eu acho que você está…

          - Grávida?- ela sugere enquato limpava a boca. -é, também acho. Na verdade tenho quase certeza.

          - E se estiver, o que você acha que devemos fazer?

          - Eu não sei... mas, uma coisa é certa, não temos condições de criar um filho.- conclui ela, a cabeça inclinada para frente, para o caso de um segundo vômito.

           - Sim, mas, você não está pensando em… abortar, está?- pergunta Reginaldo apreensivo.

          - Não… isso não.- ela balança a cabeça negativamente- Posso até ser uma suicida, Mas homicida jamais. Sou incapaz de fazer mal a outra pessoa se não a mim mesma. Ainda mais à um filho meu.

          - Bom, não fico tão contente com essa confissão, mas, ao menos me alivia saber que não pretende tirá-lo.

          - Se eu estiver mesmo grávida, vou gerá-lo. Já me decidi quanto a isso. Mas, quando ele nascer… teremos de dá-lo à adoção.

          Reginaldo inspira profundamente e expira de vagar, desgostoso.

          - Tsc, bom, isso é o mais sensato a se fazer, não é? Eu não queria que fosse assim, mas, se o criássemos na rua só estariámos o condenando à uma vida ingrata como essa; e isso nenhum pai iria querer para seu filho.

          - Sim, eu penso assim também. Sabe… Apesar de tudo, pode parecer estranho mas, é reconfortante saber que uma parte de mim ficará aqui, nesse mundo, quando eu me for.

          - De nós…- corrige ele, lhe dando um meio-abraço.- Só tem uma coisa…- lembra ele. Michele ergue a cabeça e o olha nos olhos atentamente.- você vai ter de manerar nas drogas, você sabe, não sabe?

          - Sim, já considerei isso também. Confesso que no início essa ideia me atormentava. Eu não estava disposta a deixar de tomar meus "comprimidos" para a morte... Mas não é para sempre, não é? São só alguns meses. Acho que posso aguentar. Porém, Para isso, vou precisar mais do que nunca do seu apoio, pois sei que vou fraquejar.

          - E eu estarei sempre do seu lado. Você não estará desamparada, lembra? Faz parte de minha promessa. Eu vou cuidar de você.- Assegura ele, e se abraçam.
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         Pensando exclusivamente no repouso de Michele, com umas ripas, madeirites e alguns pregos, Reginaldo começa a construir um barraco, situado em uma mata, próximo à um riacho. A estrutura ele cobre com brasilites que havia furtado de um depósito de materias para construção à céu aberto. Já a mobília eram coisas que ele achava pela rua ou em ferros velhos.

          Agora a gestante dependia integralmente dele. As primeiras semanas foram as mais difíceis. Reginaldo não podia descuidar um minuto sequer se não ela cederia aos impulsos e sairía para usar drógas. Ele tinha de ter cuidado redobrado. Em algumas ocasiões Michele teve algumas recaídas, até entrarem em um acordo: ela se absteria das drógas ilícitas, mas o cigarro e a bebida eram no mínimo necessários para ela não sucumbir aos efeitos da abestinência, e caberia à Reginaldo fornecê-los.

          Os assaltos que fazia à mão armada agora tinha uma causa nobre: -se é que se pode pensar assim- garantir a subsistência de sua mulher e de seu filho que estava sendo gerado. No entanto, como ainda não estava livre da dependência química, assim que tinha o dinheiro em mãos, ele precisava ligeiramente gastá-lo com alimentos e coisas necessárias o quanto antes, ou a dependência o levaria à gastar com drogas; e quando usava, o fazia longe de Michele, para não instigá-la.

          Em seu puxadinho não passavam necessidade, pois tinham alguns fardos de cestas básicas empilhados com fartura. Por meio de um fogão à lenha improvisado, Michele preparava suas refeições em panelas velhas. Nada lhes faltava alí. Aquela era sem dúvidas a melhor época de suas vidas, desde que haviam se conhecido.

          Naquele recanto as horas passavam devagar, sob o rítimo que eles ditavam, distante de tudo e de todos, apenas eles, como sempre foi.

           Em michele, aquela estrutura de vida começava surtir um efeito positivo. Ela se importava zelozamente com a arrumação da casa, acordava cedo, lavava suas poucas roupas no riacho e quando Reginaldo saía, contava as horas para ele retornar, para jantarem juntos enquanto tomavam alguma bebida. Depois passavam o resto da tarde deitados em seu velho colchão conversando e se amando, até que a noite caísse e eles adormecessem.

          Quão bobos não ficaram quando o bebê dera seu primeiro chutezinho na barriga da futura mamãe. O rapaz assistia emocionado sua mulher à derramar lágrimas de felicidade. Embora Reginaldo tivesse a infeliz certeza de que não poderia criá-lo, a sensação de senti-lo se desenvolvendo era sem igual. Uma emoção única, para ambos.

Paulatinamente, Reginaldo começa notar que Michele havia se tornado outra pessoa. Já não era mais aquela garota depressiva e suicida que ele conhecera à 3 anos atrás, as mudanças eram sutis, mas ao mesmo tempo muito notáveis. Aquilo era surreal. Reginaldo sentía-se realizado. Era tudo que ele tinha almejado em todos esses anos. Até mesmo planos para o amanhã ela fazia, o que signifivava muito para alguém que, antigamente tudo o que queria era acordar morta no dia seguinte.

          Os dias vão se passando, logo as semanas, e os meses... e aquela rotina aos poucos começava dispertar em Michele o desejo de possuir um lar; constituir uma família. E nada poderia ser melhor para selar esse desejo do que o nascimento do bebê. Conforme imaginava, a ideia de criar um filho, vê-lo crescer,  à cativava mais e mais. Agora eles tinham um lugar onde morar. Porquê não? O momento parecia oportuno. Dificuldades passariam de qualquer forma, isso era um fato. Então o que mais tinham à arriscar? Mas talvez fosse muito cedo ainda para comunicar à Reginaldo. Tudo era muito abstrato ainda. Seria uma surpresa. Afinal ele queria tanto aquele filho... Sim, aquele seria o presente perfeito em agradecimento por tudo quanto ele havia feito por ela em todos esses anos. Por ser simplesmente o Reginaldo que era, aquele rapaz que à fazia sorrir quando ela estava de barriga vazia e triste, ou se arriscava em um furto só para lhe dar uma maçã, pois aquela era sua fruta predileta. Quantas vezes ela não o viu ser surrado por seguranças por tentar roubar um presente para lhe dar em uma data especial? Ou por quando passava a noite em claro, quando ela tinha pesadelos? E o maior de todos atos de amor; sentenciar sua própria vida ao vício, sob a condição de ela não subtrair a dela. A mão que à segurara quando estava ela prestes a se lançar no profundo abismo da morte... Ele merecia aquele filho. Ele merecia muito.

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