33 -final

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Minhas pernas começaram a se desfazer.  A abracei forte.
Talvez eu tenha chorado.
Só talvez.

Senti meu corpo se desfazer mais, mas por último senti minha camisa úmida sendo  pressionada pelo rosto de Mijn Liefde.

Fiquei sem ar; mas a sensação não me deixava em pânico. Era calma, parecia que meu corpo boiava num rio que nunca acabava, e uma ninfa de braços abertos me recebeu.
Não senti mais nada.

Fui interrompido da doce sensação da morte quando uma lufada de ar  inflou meus pulmões talvez inexistentes, o que me fez tossir e engasgar enquanto eu ainda abraçava Mally. Meu corpo se recompôs.  Sentia meus membros, e o calor da respiração da garota que me agarrara.
Ela arregala os olhos e me aperta,  enchendo meu rosto de beijos.
São tantas emoções ao mesmo tempo que não consigo decifrar nenhuma.
Abraço-a, e só depois de minutos nos separamos.
Olho para Myka. Ela está lá trás,  cheia de cortes feitos por cacos de vidro que ainda se prendem  á seu corpo, e não quero saber como isso aconteceu.
Sinto minha respiração dar pane.

Corremos até ela, a peguei no colo e segurei como se fosse ela quem estivesse prestes á quebrar.

---Eu agradeço - arrumo-a em meu colo, logo correndo novamente pela Magno.

---Fiz o mesmo que você fez por minha vida - ela tosse e sorri.

Mally afaga seus cabelos,  mesmo correndo.
Ouço os gritos de Misselton lá trás, ordenando que nos peguem vivos ou mortos.

---É, lascou -diz Mally, otimista.

Myka aponta os caminhos e corremos de volta,  porém,  quando chegamos ao pátio envolta, uma legião de Maninus correu atrás de nós.

---VIU, MIJN LIEFDE? QUANTAS GAROTAS CORRENDO ATRÁS DE MIM!

---É, TAMBÉM  VEJO A MORTE TE RECEBENDO,  IDIOTA!

Ri, e fomos puxados para um lugar verde, quente e úmido.
Uma moita bem escondida entre as árvores.
Twyla se livrou do colete da Magno, pegando Myka nos braços com delicadeza.
As três se reuniram envolta da garota e Lua abraçou Mally.

---Pinça  - disse Aurora, logo recebendo o objeto.

---Eu pensei que vocês não voltariam... - diz ela, apoiando a testa no ombro da garota.

Ouvi sirenes. Todas as outras três organizações haviam vindo, unidas dessa vez. A guerra acabou, conseguiram conter a Magno por causa das ameaças explosivas e reféns , provavelmente fariam uma reunião para decidir seus destinos.
Suspirei.
Deixei Mally e Lua conversando, me aproximando das garotas.
Myka estava toda enfaixada, inconsciente. Twyla fez grandes tranças no cabelo,  usando apenas a calça camuflada, botas de combate pretas e uma camisa regata também  preta que usava por baixo.
Tempéstue limpava os machucados no rosto da garota meio gato cuidadosamente, com as mangas do casaco arregaçadas o suficiente para mostrar algumas cicatrizes em seu antebraço.
Aurora continuava enfaixando os outros machucados já limpos, e eu prestei atenção em seus olhos bem delineados, como os olhos de uma onça: aparentes de qualquer forma.
O casaco camuflado estava em seus ombros, e analisei os olhos concentrados porém diferentes das três.  Elas pareciam mudar aspectos para ficarem o mais diferente possível uma das outras, e acredito que realmente não tem graça viver com duas cópias suas. Elas se amavam, mas a aparência era a única coisa que as incomodava, mesmo com olhos diferentes.
Saímos da moita e Myka se destransformou, voltando a ser uma gatinha - enfaixada como uma múmia.
Não havia raciocinado direito o que aconteceu ao ser  salvo, mas foi ela.
Me virei para todas.

---Vamos pra mansão?

Lua e Mally aceitaram, mas as três se entreolharam confusas e desconfiadas.
Um clarão nos rodeou, e dessa vez estávamos na Mansão de verdade. Aquela mansão,  antes com um aspecto mais antigo, agora brilhava como se tivesse sido finalizada há alguns minutos. Tudo espelhava.
Avistei uma garota com um vestido de renda e tule preto com contrastes roxos e azuis, com um decote coração revestido por mais renda cinza.
Seu cabelo roxo e preto estava ondulado, e voava com a brisa que entrava pela janela dourada.
Ela estava sentada numa poltrona luxuosa no meio da sala que parecia maior, bem maior.
Sua meia rastão rasgada cheia de detalhes estava enfiada em botas pretas.
Morte, pensei.
Á sua frente,  um garoto com o cabelo cacheado até mais ou menos  as têmporas,  com o cabelo multicolorido sorria conversando com ela. Parecia estranho vê-lo sorrir tanto, e este usava uma camisa abotoada verde-água claro  desbotada propositalmente,  e jeans quase brancos envolviam seus pés até as botas de combate.
Veeddo, pensei.
Puxa, ele também ama essas botas?
Os dois se viraram e nos viram.
Tomei um susto, percebendo que agora Morte não tinha mais um vão no olho esquerdo. Ela tinha os dois olhos, que completavam sua face com uma tatuagem de olho de caveira mexicana no olho esquerdo.
Nenhum deles tinha rachaduras.  Percebi que nem eu tinha mais.
Lua, Mally e eu corremos para abraçá-los. Quando finalmente nos separamos, as trigêmeas olhavam confusas.

---Tempéstue,  Twyla e Aurora - começou Vido - Vocês estão na Mansão  E. A Mansão de entidades que controlam seu mundo e o mundo humano.

---Vocês fizeram algo nobre hoje  - completou Morte - e por isso, estão permitidas caso queiram morar aqui. Será uma honra ver essa mansão com mais pessoas novamente.
Estarão permitidas de voltar para seu mundo e para cá quando quiserem, desde que não contem nada sobre este  lugar.
Vão envelhecer mais devagar que o normal, e serão saudáveis pra sempre.

Elas sorriram. Se entreolharam,  com uma resposta clara. Abraçaram Morte, e ela as levou para seu quarto.

---Ai ai... -Falei, me apoiando em Vido- Por que não ajudaram?

---Não sabíamos.

---Que? Como assim?

---Não sentimos nada. É,  realmente estranho.

Murmurei.

---Uhm, entendi. Então,  tô mais bonito? - Sorri.

---É o mesmo convencido de sempre... - resmungou ele.

Ri, voltando para Mijn liefde que acabara de se distanciar de Lua,  que foi conversar com Vido.
A abracei, deixando que apoiasse a testa em meu ombro.

---E então? - Passei a mão em meu cabelo degradê.

---Sem metade da  cara ou com metade da cara você é convencido.  Talvez bonitinho -  Soltou ela.

---Poxa. Pensei que ia me parabenizar por atacar Misselton,  dizer que quase morreu junto quando eu estava me desfazendo, que me amava... Mas nããão. Prefere fazer comentários maldosos - Choraminguei.

---Ah, desculpa. Você é um idiota, se fizer isso da próxima vez, eu que te mato. Te amo - ela deu um beijo em minha bochecha, esticando-se para alcançar meu rosto.

---Também te amo - Tentei não focar na ameaça.

---Eu vou tomar um banho - ela disse, se afastando devagar- Eu já volto.

Sorri, e depois que ela foi, deixei o vento me levar pelos jardins. Corri feito uma criança,  saltitando pelo gramado.
Encarei as nuvens sorrindo, rodopiei ao redor dos lagos feito uma princesa - digo, príncipe.
Passei por cima de uma das pontes que atravessava o pequeno riacho. Olhei pra cima e ao redor, feliz com o final que tive.
Olhei pra água, vendo meu reflexo.
Me sorriso se desfez.
Um garoto de cabelo  negro ondulado até  as orelhas, com olhos hipnotizantes, sorriso sínico,  um sobretudo preto com pares de olhos, bocas afiadas e buracos negros assumiu meu reflexo.
Ele estava lá, e os cantos rachados de sua boca se esticaram conforme o sorriso.

---Eu sei do que você tem medo.

Por uma brecha- A Outra dimensão.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora