21 - O primeiro passo: Rio das Águas Pesadas

1.1K 79 7
                                    

Eu estava na parte funda do rio e isso não soava muito normal. O fluxo da água passava entre as minhas pernas, querendo me puxar, mas dessa vez eu estava atento. Michael, por outro lado, empalidecera feito uma folha de papel, como se estivesse olhando para um fantasma.

De repente, eu afundei alguns centímetros, meu sangue gelando devido ao medo de me afogar novamente; felizmente, eu consegui boiar. A água não parecia tão pesada como antes, portanto eu nadei até a parte rasa do rio, lentamente, com um pouco de dificuldade. Meu tio caminhou paralelamente a mim, pela margem, ainda perplexo. Finalmente eu conseguia ficar de pé. Decidi me "instalar" perto do ponto inicial, onde a água chegava à metade das minhas coxas.

- Bom trabalho – disse ele, afinal, voltando a si.

- E agora? – eu perguntei ansioso. – O que tenho que fazer?

Meu tio caminhou pelo gramado alto até uma rocha encravada no chão e se sentou, tirando em seguida um livro de dentro da sua mochila. O foleou e respondeu:

- Apenas ficar aí até... - olhou no relógio – às seis.

Aquilo não me agradou nadinha.

- E que horas são agora? - perguntei, o encarando de cara fechada; meu relógio não funcionava mais, devido ao afogamento.

- Exatamente... uma e vinte e oito. – Essa resposta acabou comigo. A única coisa que tive a fazer foi aceitar.

Meu tio começou a ler entretido, me deixando de lado, enquanto eu lutava para conseguir me manter de pé naquele rio. O tempo foi passando e o sol quente ia secando as minhas roupas. Não que isso fosse importante. Eu só pensava na imagem que vira quando estava no fundo do rio.

O anjo.

A garota era incrivelmente bonita e disse ser meu anjo da guarda. Mas que tipo de anjo aparecia debaixo d'água? Eu até pensei que ela poderia ser uma caçadora, embora soasse mais para um espírito. Ou uma miragem. Ou eu estava enlouquecendo.

E como não tinha respostas, voltei a me concentrar em ficar de pé.


Já havia se passado muito tempo quando meu tio decidiu parar de ler. Ele guardou seu livro na mochila e tirou um sanduíche – que estava embrulhado em um papel toalha –, e começou a comer, dando mordidas enormes e mastigando de boca aberta, fazendo uma expressão de quem estava adorando o lanche. Eu tentei não pensar em comida, mas a minha barriga protestou com um longo e barulhento ronco:

ROOONGH!!

- Ai – choraminguei, sentindo o estômago vazio. Tio Michael nem se importou, ainda mastigando com prazer. – Ei, tio – o olhei com cara de dor –, que horas são agora?

Ele olhou no seu relógio de pulso e respondeu, de boca cheia:

- Duas e meia.

- Ainda?

Michael continuou me ignorando, enquanto eu ainda ficava me segurando de pé naquele rio pesado, morto de fome.


Mais algum tempo havia se passado, quando meu tio comentou, contudo sem qualquer interesse na voz:

- Faz tempo que não chove, né Diogo?

- Legal – falei exausto, sem qualquer ânimo.

E um barulho ensurdecedor de trovão ribombou no céu.

Ergui meus olhos para cima. De tão cansado eu nem reparara que o céu estava escuro. Meu tio tirou um guarda-chuva preto pequeno de sua mochila e o armou. Assim que abriu, começaram a cair gostas das nuvens pesadas, e percebi que o tempo havia mudado muito. As gotas geladas caíam, aparentemente, só naquela região da floresta, onde estava eu e o meu tio – eu me equilibrando no rio e ele sentado numa rocha, de boa. Minhas roupas secas se molhavam novamente, enquanto eu sentia os pingos agoniantes na minha pele, pingos que eram mais gelados do que a água do rio. Decidi perguntar ao Michael, o olhando com desânimo:

Caçador Herdeiro (1) - Vento Sufocante | COMPLETOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora