Capítulo 6

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O mitigado Destino, famoso tópico dessa nossa demorada narrativa, se constrói nos primórdios do universo, revelando uma faceta um tanto quanto contraditória quando pensamos no tal de "livre arbítrio". Seria o Destino mais uma piada mal contada? Quem sabe até um bobo da corte encarregado de fazer o carrossel continuar a rodar. E na pior das hipóteses, Destino é só uma força rancorosa e vingativa por não ter a tão divina dádiva de escolher. E vale sempre lembrar que a sorte nunca está do nosso lado.

-Então, já escolheu? - Perguntou o garçom despertando a figura de seu transe.

-Não, ainda não. Assim que eu me decidir eu te falo. - O garçom fingiu um sorriso e foi atender outras mesas.

Olhou-se no espelho, o que viu não foi a face cansada ou a vestimenta mundana que lhe sufocava, viu uma áurea quebrada e cinza que desenobrecia a espécie. Não era tempo de pensar sobre áurea ou coisas do tipo. Tinha ido para o mundo deles para acertar alianças e se encontrava em um café sem sentido esperando por alguém que estava atrasado.

A postura dava um tom nobre, mas ali não fazia diferença.

- Boa Tarde. Espero que meu atraso não tenha te incomodado muito.

Não houve resposta.

- Bom saber que você continua a mesma, Helena. - O homem disse desanimado, com nuances de desapontamento.

- Pois bem, sem muito rodeio, qual a sua proposta?

- O que você precisa?

Helena riu com raiva. Como uma espécie tão boba havia conseguido sobreviver por tanto tempo? O que Helena precisava era um pouco de paz, mas isso nada nem ninguém poderia dar a ela.

- Tomás, quero uma aliança com os humanos.

- E já não temos uma? Se me lembro bem, pelo menos 5000 da minha espécie são enviados sei lá pra Deus onde vocês vivem e quando voltam ficam loucos. Parece um acordo muito bom ao meu ver.

- Isso vai muito além de tudo isso! Muito além de separação. - Falou grossa perdendo a paciência.

- Já ouviu a história da Guerra de Tróia, história de Helena? - Divagou mexendo no pano da mesa com as pontas dos dedos. - Acho que te contei uma vez, quanto sangue por um nome.

- Por que estamos aqui Tomás?

O homem de cabelos grisalhos e postura firme levantou, Tomás deu as costas.

- Diga a Vera que estamos em guerra junto a vocês. O seu povoado não foi o único que sofreu perdas e diga a ela que não gosto de recados. Se quiser algo mais ela terá que vir falar comigo pessoalmente.

Helena abaixou a cabeça olhando para a mesa ainda vazia a sua frente. Quando tornou a olhar para frente, Tomás tinha desaparecido, como se nunca tivesse um dia estado lá. A mulher que não aparentava mais de 30 anos passou as mãos pelos curtos cabelos loiros se sentindo aliviada de não estar mais frente aquele ser que tanto odiava.



Pandora levantou as pálpebras que pesavam toneladas. Ouviu algumas batidas na porta, se esforçou para levantar. Gustavo entrou com uma expressão séria. Passou rápido pela amiga desequilibrando-a. Pegou o que viu que era de Pandora jogou em uma bolsa que carregava no braço.

- O que está acontecendo? - Indagou com voz sonolenta colocando as madeixas de cabelo atrás da orelha.

Gustavo jogou a bolsa na cama e se encaminhou para o banheiro do quarto. Pandora escutou água corrente. Em seguida viu o amigo secando o rosto como se estivesse tentando lavar algo de ruim. Em um estalo de consciência Pandora se lembrou da noite anterior e olhou a mão. O anel continuava no indicador esquerdo. Decidiu que não importasse o quão maluca pudesse parecer ao amigo iria contar o que nem mesmo ela sabia. Contar ou não contar? Bem me quer, mal me quer? Qual você escolhe? E entre dúvidas a menina sabia que não podia continuar vivendo essa maluquice sozinha, tinha medo de estar ficando louca.

- Gustavo, eu preciso desabafar. - O amigo pareceu sair do frenesi que estava e finalmente notou Pandora - Há algum tempo atrás, mais precisamente no dia que eu e Milena fomos comemorar seu aniversário, uma moça me deu esse anel.. - Pandora tirou do dedo e colocou na palma da mão enquanto se encaminhava até o amigo.

Antes que pudesse continuar a frase Gustavo tomou o anel da mão de Pandora e jogou pela janela. Pandora acompanhou com o olhar e correu até o parapeito olhando para baixo na vã esperança de ver algo.

- Vamos, temos que ir. Agora. - O cenho tinha se fechado em um franzido contínuo

- O que? Por que?! - Pandora elevou a voz.

- Pan, eu preciso que você confie em mim dessa vez. Assim que a gente chegar em casa eu te explico tudo.

- Que casa? - Perguntou ainda desconfiada.

- Em São Paulo, no meu apartamento. Eu juro que eu vou tentar te ajudar, mas agora temos que ir. - A preocupação nunca estivera tão presente em um cômodo tão pequeno.

Olhou nos olhos do amigo remoendo toda confiança que possuía em Gustavo.

Com o coração apertado pegou a bolsa da cama e se encaminhou para saída da pousada.

Já no carro Pandora ensaiou algumas palavras que não teve coragem de pronunciar.

- Não esquenta por causa do anel. Ele vai voltar pra você, ele sempre vai achar um jeito de te encontrar.

Com o pesar na voz Gustavo completou.

- Quer você queira ou não.



A luz da cabana revelava a presença de pessoas do lado de dentro. Helena entrou sem delongas e viu sua comandante com ambas as mão apoiadas em uma mesa que lembrava um tabuleiro. A figura parecia calma, o olhar profundo afogava a todos e o sangue que corria mostrava a guerreira que era. Helena não pensaria duas vezes em morrer por seu povo e sabia que sua líder também não. A respeitava pela honra, pelo o dom de liderar.

Esperou que fosse chamada para se pronunciar.

- Tomás tomou nosso lado da guerra, disse que o mundo dos humanos já foi atacado.

A elfa deslizou pelo cômodo com um interesse pelo que a soldado dizia.

- Ele não entrou em detalhes, mas disse que sofreram grandes perdas. O que importa é que está do nosso lado. Finalmente depois de décadas se abstendo de decisões tomou um partido.

- Cada gota de sangue que machar a teia da vida nos próximos anos estarão nas minhas mão, nas mão de Tomás, nas mão de quem decidiu colocar uma nação em guerra. Não seja inocente em pensar que essa não foi a decisão mais dura da vida dele.

Todos se calaram, até mesmo o chiar da fogueira do lado de fora. Cada gota de sangue derramada estaria de fato nas mãos dos líderes. Cada vida interrompida. Cada alma com assuntos pendentes. E mesmo assim ali estava ela. Imponente olhando o tabuleiro pensando em estratégias, não que não temesse por seu povo, mas porque sabia que lutava por ele, mais do que isso, lutava ao lado dele.

- Quero que as próximas vinte levas cheguem antes da Noite das Estrelas.

- Temos tempo ainda, faltam dez meses. - Falou Helena tentando passar segurança.

- Gabriel, quais foram os resultados dessas primeiras levas? - Perguntou impaciente a comandante.

- Tivemos alguns incidentes. Não era para ser assim e você sabe. Uma quantidade tão grande de despertares influência no equilíbrio natural do universo,Vera. Alguns podem até terem sido predestinados, mas talvez nunca devessem acordar.

- Não temos outra opção. Não gosto disso tanto quanto você. - Passou os longos e esguios dedos pela tempora - Temos então dez meses para nos preparar. Não arriscariam um ataque tão longe da base deles antes do enfraquecimento da aurora.

Gabriel e Helena movimentaram a cabeça em positivo.

A fogueira voltou a chiar contando as, talvez nem tão boa novas para a escuridão da Noite, talvez nem tão neutra quanto deveria ser, se partidos tivessem que ser tomados já tinha o seu.





Despertar - Batalhas InvisíveisTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang