É a vez dele de agir. Don atravessa os muros como o vento e mergulha por paredes, piso e escadas até chegar ao porão que lhe mostro em minha mente. Sinto cada movimento dele nas pontas de meus dedos, ainda em contato com o muro de pedra do palácio. Meu irmão é bastante prático e traz consigo todos os pergaminhos, sem parar para lê-los ou selecioná-los. Atravessando mais paredes, ele retorna ao lado de fora e logo está diante de mim. Retiro minha mão do muro. Tudo isso dura menos de cinco segundos.

     - Eu trouxe todos - Don diz em voz alta, mostrando os rolos de papel de folha-d'água.

     Ele me entrega alguns pergaminhos e eu começo a desenrolar o primeiro, sentindo minha temperatura corporal esquentar. Em minhas mãos estão segredos ocultos e protegidos por milênios. Iluminados e Cinzentos morreram defendendo esses documentos.

     Vejo as primeiras palavras escritas no idioma antigo e uma gravura colorida no canto superior direito da página.

     Simultaneamente, um forte e espantoso estrondo nos céus nos coloca em alerta. Olho para cima a tempo de ver a fumaça negra e espessa se espalhar. Algo assim só é causado por uma coisa.

     - É uma Chama da Perdição! - exclama Don, tão surpreso quanto eu. - Não vejo uma dessa desde que...

     Todos os músculos do meu corpo se tencionam. Onde há Chamas da Perdição, há Sombrios.

     - Eles voltaram - murmuro, fitando o céu manchado pela fumaça negra.

     Don se aproxima.

     - Não é possível - ele sacode a cabeça, sacudindo os cabelos dourados. - A única maneira de retornarem é viajando pelas sombras, Beth. Não há mais portais de sombras em Nobre Vida.

     - Como você explica isso? - aponto para o céu.

     Don fita a fumaça e sua mandíbula se tenciona.

     - Vamos até lá - ele determina. - Se suas suspeitas estiverem certas, eliminamos qualquer ameaçada rapidamente e retornamos para Prosper.

     Faz muito tempo que não uso minha força verdadeira para combater Sombrios. Os que Don e eu encontramos na Terra foram eliminados com nossa energia limitada pela dimensão de lá, que não nos permite manifestar todo o nosso poder - para a própria segurança da humanidade. Aqui, somos plenos e completos outra vez.

     Don agita a mão direita e abre um portal de luz. Nós atravessamos e antes mesmo de sair do outro lado, eu já sinto o calor da Chama da Perdição. É poderosa, o que quer dizer que foi evocada por um Sombrio poderoso. Alerto meu irmão mentalmente sobre isso e ele redobra seu uso de energia, preparando-se para entrar em ação assim que sairmos do outro lado do portal.

     A primeira coisa que vemos é uma pequena cabana pegando fogo, rodeada por grama e arbustos também em chamas. O cheiro de morte da Chama da Perdição é quase insuportável e me faz cobrir o nariz. Don não se importa. Percorremos o local, procurando por algum sinal de vida ou algum sobrevivente, mas não há nada. Nem Sombrios, nem vítimas. Só fogo e cinzas.

     - Estranho - Don se abaixa para tocar a grama chamuscada. - Sinto... sinto uma energia diferente aqui. Beth, venha sentir.

     Aproximo-me dele e me abaixo para tocar a grama. As vibrações atingem meu corpo como um choque e, por um segundo, eu quase perco o fôlego. Sinto duas energias e ambas me deixam ainda mais espantada do que ver a Chama da Perdição explodir. 

     - Um ser humano esteve aqui - digo baixo e devagar, incrédula. Humanos não vêm aqui. Humanos não têm acesso nenhum a Centelha do Norte.

     Don assente, encarando-me.

     - Sim, foi o que senti.

     - E há... há um Sombrio também.

     Os olhos de meu irmão se arregalam.

     - Um humano e um Sombrio? Tem certeza?

     - Sim - minha voz treme e eu retiro minha mão da grama.

     Um som estranho de água chama a nossa atenção e Don e eu caminhamos até nos depararmos com um pequeno rio, no qual uma garota e um garoto se debatem. Ele parece estar tentando acalmá-la enquanto a puxa para fora da água, mas ela está em óbvio desespero. 

     Eu hesito, mas meu irmão não. Don ergue voo e se lança contra o casal numa velocidade inacreditável que eu não o via usar desde que partimos daqui. O garoto ergue o rosto a tempo de vê-lo chegar, agarra a garota e salta de volta para a água no último momento, esquivando-se do ataque de Don. Eu cubro a boca, impressionada. Não é qualquer um que pode evitar ser atingido por um Guardião.

     Don pousa na beira do rio e começa a adentrar as águas.

     - Don! - eu chamo por ele e começo a caminhar até lá, não porque acho que ele precisa de ajuda, mas porque quero ver aqueles dois de perto.

     O garoto emerge com a garota agarrada a seu pescoço, olhando para Don com um ódio muito familiar. Ele é um Sombrio. Ela é o ser humano. Don evoca as águas para tentar atacar os dois novamente, mas o garoto bloqueia seu ataque estendendo a mão e fazendo com que rochas submersas se ergam como um paredão entre nós e eles. É quase estupendo. Ele é um Sombrio extremamente forte.

     Decido que é minha vez de entrar em ação. Já que os ataques físicos de meu irmão não surtem o efeito esperado, vou atacar a energia dos dois. Junto minhas duas mãos espalmadas diante de meu corpo em direção ao paredão e lanço minha Onda de Tortura - chamada assim porque é uma força invisível que afeta a energia de qualquer ser vivo, enfraquecendo-o até definhar e se transformar em pó. Parte de mim se sente um pouco mal por atingir a humana de maneira tão cruel, mas eu resolvo ignorar esse sentimento. Ela não devia estar aqui e não poderá retornar à Terra, de qualquer forma. É melhor que padeça rapidamente.




A Ruína de Ricky Prosper (VOLUME 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora