17. Até que o Sol nasça para Todos

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Sendo honesta comigo própria, já não estou habituada a acordar sozinha. Assim sendo estou com um humor de cão! Visto uma camisa branca com finas riscas pretas, uma saia vermelho-escura à godés pelo joelho e botas pretas altas. Na cozinha tomo os meus cereais com leite de coco e abro os estores. Lá fora o dia está cinzento... com sorte melhora para a tarde. Tenho saudades do verão!

Na rádio a Katy Perry pergunta se não me sinto sozinha na minha utopia e acompanho-a a cantarolar, a caminho do estágio. Tenho duas cirurgias marcadas para hoje de manhã, onde o Gonçalo também vai participar. Vai ser bonito! Suspiro.

Chego á clínica, cumprimento o Doutor Takeda que se encontra na recepção a dar atenção aos seus bonsais. O Gonçalo e a Susana também estão presentes, observam-me e obviamente ignoram o meu "Bom dia". Preparo-me no vestiário, ele entra e finge não me ver. Respiro fundo, aguenta Mia, isto passa-lhe!

No bloco, a Doutora Clara informa sobre como quer que as cirurgias decorram. A primeira esterilização será feita pelo Gonçalo e eu serei a assistente, na segunda o contrário. A Doutora estará a observar, mas não emitirá instruções durante as intervenções. Espera que sejamos capazes de resolver qualquer imprevisto que ocorra.

Preparo a paciente com anestesia volátil, uma gatinha preta e branca com seis meses, a Belita, e ligo-a a um monitor de ritmo cardíaco.

— Está tudo pronto Doutora Mia? – Pergunta o Gonçalo com exagerada entoação.

Doutora Mia? A sério? Nunca nos tratamos por títulos... queres mesmo jogar esse jogo?

— Sim, Doutor Gonçalo! – Respondo com o tom mais neutro que consigo!

A meio da operação pede-me a tesoura que prontamente lhe dou. No entanto deixa-a cair.

— Doutora Mia tenha mais atenção ao que está a fazer! – Repreende-me. Eu quase ia jurar que fez de propósito!

Passado um pouco pede-me uma pinça e acontece o mesmo.

— Doutora Mia! – Chama-me de novo à atenção. – Doutora Clara está difícil fazer alguma coisa nestas condições!

— Tente Doutor Gonçalo! – Noto irritação no tom de voz da Doutora Clara.

Não pensava que fosse vingativo o suficiente para sabotar o meu trabalho. Pelos vistos estava enganada!

É a minha vez de esterilizar uma outra gatinha e de o ter como auxiliar.

Deixou cair duas pinças e um grampo ao assistir-me nos instrumentos. Ele hoje veio directamente do inferno para me atazanar a vida!

— Doutora Clara acho que os pontos que a Doutora Mia fez estão muito espaçados! – Queixa-se pela segunda vez desde que comecei a intervenção! Vejo a Doutora Clara a revirar os olhos, possivelmente já farta daquele teatro todo.

— Os pontos estão bons! — Diz ao confirmar o meu trabalho. — Quero os dois no meu escritório quando a cirurgia terminar! — Está chateada, isto não é bom!

Acabo a operação em silêncio e do Gonçalo não ouvi mais um pio. Logo que a gatinha acorda no recobro, dirijo-me para a sala da Doutora Clara. Ele segue atrás de mim.

Entrámos e ela aponta as cadeiras onde nos sentámos de imediato. Ela levanta-se.

— Doutora Clara... — Tenta o Gonçalo.

— Eu não quero ouvir desculpas ou justificações para o vosso comportamento hoje... – Fala num tom autoritário – mas aconselho-vos a resolverem as vossas diferenças pois não vou tolerar de novo o que se passou!

Até Que o Sol Nasça Para TodosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora