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Tenho dezessete anos. Penúltimo ano de escola. Meus amigos estão no último.

Tinha conseguido sobreviver a um ano com tantos dons.

Essa noite era a primeira noite da minha vida. E a última também.

Graças ao meu dom de ler mentes, eu confirmei o que eu sonhava que era realidade: o Peter gostava de mim daquele jeito. E quando eu perguntei pra ele ele ficou vermelho e disse que gostava de mim como irmã. Então eu o beijei e o beijo que ele me deu ele não daria na irmã dele. Estávamos na casa dele e ele começou a literalmente pegar fogo e cada lugar que ele me tocava deixava uma marca de fogo e cada lugar que eu o tocava deixava uma marca de gelo. Eu era gelo, ele fogo. Totalmente opostos. Mas quando estávamos juntos combinavamos tão bem... Parecia tão certo.

Aquele dia foi o primeiro, com o meu primeiro amor, era para durar para sempre, mas como eu disse também era meu último dia.

Acabei dormindo na casa do Peter. Quando acordei, antes dele ele ainda estava vermelho e quente e eu percebi quê provavelmente por minha causa, porque estava em chamas. Nas paredes do quarto dele dava para ver as marcas de gelo por uma pessoa alta e uma marca de queimado feito por uma pessoa maior ainda sobre a de gelo. Que vergonha! Tinha marcas de gelo e fogo por todo o quarto!

Observei ele dormir com um sorrisinho maroto nos lábios, me lembrando do que tínhamos feito noite passada. Quando ele abriu os olhos estavam vermelho puro e aos poucos foi voltando ao castanho amendoado que eu tanto amava, e aquele sorriso que poderia fazer um dia triste virar um lindo dia chuvoso e frio debaixo dos cobertores.

Ele me levou até a lanchonete, aonde encontramos Katherine e Louis para um café da manhã de uma coisa chamada panqueca e uma bebida meia amarga que dizem ser café de verdade. É delicioso, e com açúcar também fica bom.

Fomos para a minha casa depois, porque iamos pegar o projetor 3D da minha mãe para fazermos uma coisa que existia antigamente chamada sessão de cinema, com uns filmes que meu avô me deu, que o avô dele deu pra ele que o avô dele deu pra ele e antes disso alguém deu pra ele também.
Antes de chegar na minha casa, no final da rua eu já sabia: eles tinham me achado. O RT estava na minha casa, conversando com os meus pais. Talvez fosse só uma reunião, mas nunca se sabe, e não queria meus amigos em perigo. Prometi encontrar eles depois com o projetor e os filmes mandei eles irem embora. Só Peter relutou em ir embora. É claro que eu estava usando meu dom na voz, senão eles iam questionar e eu não saberia como mentir, mas não estava funcionando direito no Peter. Até hoje não sei o porquê.

Lembro de ter beijado a boca dele é colado nossas festas, prometendo que o encontraria depois. Ele me beijou e foi embora.

Eu sabia que não o encontraria depois.

Fui para casa querendo chorar, mas novamente não chorei. Cheguei de fininho e escutei ainda do portão, o líder da Restauração falando com meus pais. Respirei aliviada. Não era sobre mim. Era só uma reunião de costume.

Eu ia voltar para os meus amigos quando ouvi algo que me fez parar.

" Temos que fazer isso, Louise. Estamos ficando sem opções e o setor está ficando sem suprimentos. Vamos destruir a cidade e você e seu marido são muito preciosos para a Restauração, por isso estou avisando. Pegue suas coisas importantes e saia da cidade."

" Mas por quê destruir a cidade inteira?" Ouvi a voz da minha mãe.

" É confidencial"

" Você vai me contar, se quer que eu saia da cidade" insistiu minha mãe.

" Nossos aparelhos mostraram que essa cidade fica exatamente em cima de uma coisa que queremos muito"

Agora eu estava na janela espiando. Não conseguia ver o líder da Restauração, mas minha mãe estava assustada.

"Mas... Mas o que.... Aquilo..... Aqui?"

" Nossos ancestrais morreram por causa disso, Louise"

" Eles destruíram o planeta por causa disso"

" Então você compreende como é importante"

" Sim, eu vou sair da cidade ao amanhecer"

O quê? Iam destruir minha cidade? Não poderia deixar. Apesar de tudo o que as pessoas daqui já me fizeram eu não posso deixar centenas de pessoas morreram conscientemente. Meus amigos estavam aqui... Peter estava aqui.

Lembro de ter entrado na sala e ter dito que não poderia deixar ele fazer isso. Lembro da minha mãe gritando comigo e ter ouvido meu pai chegar por trás com uma injeção, provavelmente calmante da Restauração.

Lembro de ter dado um tapa no meu pai e ele cair do outro lado da parede em cima do aparador e sua cabeça pender, desmaiado e ensanguentado.

Lembro do líder da Restauração me observar com os olhos estreitos e tirar uma arma do bolso e atirar em mim.

Lembro de desviar da bala e pegar ela na minha mão, por reflexo.

O líder sorriu. Eu percebi o que tinha feito. Tinha me dado de bandeja pra ele.

Ouvi ele apertando um alarme no bolso e dez segundos depois tinha cinquenta soldados dentro da minha casa todos com armas apontadas para mim.

Liberei minha raiva e comecei a bater neles, mas eles também tinham habilidades e com as armas ficava mais difícil de lutar.

Ouvi minha mãe gritar meu nome e olhei para ela achando que ela estava em perigo, mas não. A vadia traidora estava com uma arma apontada para a cabeça de Peter, que aparentemente não tinha ido embora. A compulsão não funcionou nele e ele trouxe o Louis e a Katherine com ele, pois estavam os três com armas apontadas para a cabeça, moles. Pelo que um soldado estava pensando eles tinham sido drogados para que os poderes não funcionassem. A minha própria mãe estava com uma arma apontada pra Peter, com um sorriso no rosto.

Ela me olhou com desprezo e disse que eu estava fora da linha, desde que tinha começado a andar com aqueles delinquentes. Ela não me suportava desde então.

Eu tinha começado a andar com eles quando eu tinha sete anos. Por dez anos ela havia fingido gostar de mim, dos meus amigos e todos os eu te amo que ela havia me dito eram falsos.
Vagabunda.

Lembro dela ter me distraido, falando que se eu me rendesse meus amigos ficariam à salvos, e eu sabia que era mentira, mas minha mãe era uma compulsora.

Ela me desarmou por tempo o suficiente para aplicarem a injeção em mim e me colocarem em um tanque.

Lembro de ter acordado presa em uma maca, com correntes de chumbo, aprova de fogo e gelo.

Tinha vários instrumentos cirúrgicos em uma mesa sujos de sangue. Meu sangue. Eu havia sido cortada, furada e drogada. Não conseguiria arrebentar as correntes nem se eu quisesse. Não conseguia nem enxergar o que estava na minha frente de tão tonta que estava.

Lembro de ter sido carregada e jogada através da parede que logo se tornou sólida. Lembro de mais tarde naquele dia o líder, que se chama Rafael, ir me ver e falar que era por apenas alguns dias. Eu estava muito nervosa e que era apenas para me acalmar.

Lembro de tentar acabar com ele, mas não tinha forças. Eu era só uma menina magrela.

Lembro daquele sorriso diabólico e dele saindo e eu correndo atrás dele mas batendo de cara em uma parede sólida.

Lembro de desmaiar e sonhar com meus amigos em uma das centrais do Rafael sendo torturados pelos meus pais.

Lembro de jurar vingança e jurar matar Rafael.

ANOMALIAOnde as histórias ganham vida. Descobre agora