Parte 1

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Minha cabeça doía. Era como se uma faca entrasse e saísse do meu cérebro sem parar. Eu podia sentir cada movimento. Alguns diriam que era só uma enxaqueca, outros, que eu estava lendo demais, todos concordavam que eu deveria descansar. Tirar algumas horas para respirar, não pensar em nada, não segurar nenhum livro em minhas mãos, controlar a minha obsessão por conhecimento e informação. Tudo aquilo era demais para mim. Não suportaria viver daquela maneira. Preferia morrer a ter que abrir mão da minha dieta diária composta por palavras, pensamentos, opiniões e histórias.

Seria um dia como qualquer outro, se não fosse pela maldita dor de cabeça. Eu estava na aula de psicologia quando tudo começou. O professor na frente da sala de aula reclamava sobre as notas baixas dos alunos e elogiava os poucos que tinham se saído bem nas avaliações. Minhas bochechas queimaram ao ver a nota sete. Depois de me debruçar sobre livros e artigos, fui recompensado com a mediocridade. Queria culpar as malditas lacunas que me fizeram confundir as teorias e seus pesquisadores e me recusava a acreditar que tudo teria sido culpa minha. Minha vontade era a de perguntar ao professor por que ele não preparava uma prova com perguntas mais elaboradas e não simplesmente uma para preencher os espaços em brancos com informações decoradas. O mestre sempre se contradizia e sua hipocrisia me fazia queimar por dentro.

– A sala só teve duas notas acima de nove. Parabéns para as duas alunas!

O professor anunciou e a sala toda bateu palma para as felizardas. Desde quando ter boa capacidade para memorização era mais importante do que entender plenamente o conteúdo? Recusava-me a crer que elas tinham ido melhor do que eu. Eu que já havia lido mais de 500 livros e estava sempre procurando aprender mais. Talvez o meu cérebro tivesse alcançado a sua capacidade máxima de absorção e não fosse mais capaz de fornecer o que eu precisava. Se o caso era este, questionava-me como o meu professor que tinha o dobro da minha idade e provavelmente já tinha lido quatro vezes mais livros do que eu, ainda conseguia tempo para ministrar aulas e memorizar palavra por palavra de cada autor.

Minhas mãos estavam tremendo. Olhei ao professor na minha frente e percebi que ele estava decepcionado comigo. A sala toda esperava que a minha nota fosse a maior e não que eu fizesse parte dos alunos medianos. Coloquei os dedos nas laterais da minha cabeça tentando amenizar a dor, mas ela continuava aumentando. Minhas veias saltavam e uma pressão crescia dentro de mim. Eu podia jurar que o meu cérebro explodiria. Então, de olhos fechados, depois de me sentir incomodado com tanto barulho, percebi que o silêncio reinava. Quando observei o meu professor movendo os seus lábios e gesticulando, me dei conta de que algo estava errado comigo. Não ouvia nada. Era como se eu estivesse preso em um daqueles filmes mudos.

A dor aumentava e para o meu desespero não conseguia entender o que os outros estavam dizendo. Pensei em escrever num papel "Eu estou surdo", mas meus membros paralisaram. A raiva se misturava ao meu sofrimento. Olhei ao lado e notei que os colegas da sala estavam preocupados comigo. As pessoas se transformaram em sombras gradativamente e meu corpo desabou.

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