P r ó l o g o

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As crianças estavam agachadas, brincando com gravetos na terra cinza. Tudo estava calmo. Tranquilo. O sol iluminava cada centímetro do pequeno acampamento, pairando sobre os telhados dos casebres — feitos de madeira, cipós e folhas secas — com mais intensidade. Algumas pessoas passavam, umas trazendo baldes com água do rio, outras trazendo lenha, frutas e roupas recém tiradas dos varais improvisados. Várias mulheres andavam com crianças sobre os ombros, todas seminuas. Tudo estava normal. Eles já estavam ali há duas semanas. Estavam tentando seguir em frente, mesmo com a precariedade e a falta de segurança. Sim, a falta de segurança. Na verdade, essa era a parte mais preocupante. Eles não tinham mais medo de morrer de fome, tinham medo de serem encontrados. Uma guerra estava acontecendo em todo o Congo. Eles estavam fugindo dela. Até agora.

Todos pararam o que faziam quando ouviram o som. Carros. Vozes. Eles estavam chegando. Parecia que todos os pulmões no acampamento paralisaram juntos o processo de respirar. Os motores dos carros pareciam mais próximos. Estão chegando. Estão vindo. Precisamos fugir, correr, nos esconder. E as crianças? Precisamos esconder as crianças! Então, num vislumbre dos carros vindo pela estrada de terra, a poucos metros do acampamento, todos começaram a correr. Precisamos correr, precisamos correr! Mas já era tarde. Todos já sabiam disso.

Algumas mulheres corriam com bebês nos braços, outras, corriam em direção ao rio com crianças maiores. Homens caíam violentamente ao chão, com o som dos tiros preencher cada espaço vazio naquele lugar. Os hutus estavam matando, mais uma vez. E agora?

As crianças gritavam, as mães choravam. Todos sendo postos de joelhos, em fila. Os corpos continuavam a cair sem vida na areia cinza, agora vermelha do sangue de tantos inocentes. Os que conseguiam correr, eram bombardeados antes de chegarem as árvores, onde poderiam se esconder. Mas, ainda assim, alguém conseguiu. O garotinho negro, de dez anos, observou enquanto mais de quinhentas pessoas eram mortas. Ele viu seus irmãos mortos perto de onde brincavam, viu o pai de bruços, numa mancha de sangue na areia, e, por último, viu algo que marcaria todos os seus pesadelos, estivesse dormindo ou acordado. O garotinho viu o olhar de sua mãe se encontrar ao dele. Ele quis gritar. Quis correr para ajudá-la. Não matem minha mamãe, pensou, não a matem! Sua mãe estava de joelhos, enquanto os hutus, vestidos de soldados e com rifles nas mãos, riam e zombavam da mulher. Ela mantinha os olhos fixos no filho, tentando dizer que estava tudo bem. Que tudo ia ficar bem. É isso que os pais dizem aos filhos, mesmo quando todos sabem que as coisas não vão ficar bem, nunca mais. Então, com os olhos cheios de lágrimas, ela os fechou. O som do tiro reverberou em cada parte do corpo do garoto, que mesmo levando as mãos aos ouvidos e apertando os olhos, sentindo o grito preso na garganta, não conseguia esquecer. Ele nunca mais seria o mesmo depois disso. A guerra havia chegado a sua porta. Ele agora fazia parte dela.  

As Cartas de Simon DodgerWhere stories live. Discover now