Fantasmas da Noite!

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Thomas andava preocupado com o concurso literário. Ficava horas introspectivo, sem falar com ninguém. Pensava e repensava em tudo. Como começaria a história, como a terminaria, cada gesto, cada palavra, cada detalhe, enfim - tudo deveria ser habilmente articulado, e seu mundo fantástico ricamente povoado.

Mas que história onírica seria esta? Por mais que esgotasse suas forças pensando, arquitetando, tudo que lhe vinha na mente parecia tão banal quanto um domingo no parque, e ele queria algo grandioso.

Afinal, essa seria uma grande oportunidade em sua carreira jornalística. Vencer o concurso anual poderia lhe render uma ótima reputação com o redator-chefe, uma possível promoção – quem sabe? O céu era o limite e a imaginação de Thomas estratosférica.

Grandes reportagens que pareciam nunca chegar a lugar algum... Algumas matérias policiais de pouca repercussão ou prestígio... Sua vida profissional parecia estar andando em círculos.

Preciso esquecê-la, repetia consigo mesmo. Preciso escrever... Por vezes preferia que ela fosse alguma dessas garotas das notícias policiais de categoria duvidosa que escrevia, que morriam por amor num crime passional. Mas ela estava viva, bem viva, e ardia em seu peito uma vontade dócil de, catarticamente, superá-la escrevendo, deixando sua dor fluir sobre o notebook na escrivaninha de seu apartamento.

Cristine deve estar em algum lugar... Mas onde? Nem queria começar a pensar em procurá-la, pois sua mente viajaria por todas as paisagens em que ela tivesse passado, causando-lhe delírios, tremores, melancolia.

Frequentemente, depois de um dia inteiro acompanhando a polícia para elaborar suas matérias, depois de passar pelas delegacias mais imundas e conhecer os tipos mais abjetos da cidade, Thomas vagava a pé pelas ruas, sozinho. Às vezes, sentava numa escadaria de um prédio qualquer e permanecia horas apenas olhando o movimento dos carros e das pessoas. Outras tantas caminhava muito, olhando para o chão, e num ato falho esquecia o caminho de casa, amanhecendo o dia em um lugar desconhecido, tão sujo quanto as vielas e celas que visitara durante o dia, em ambientes povoados por seres mais fantásticos que qualquer história sua pudesse nos contar.

E assim se passam os dias e as noites de Thomas. Entre remorsos, desejos, esperanças e escombros...

Num desses dias loucos, depois de horas visitando a cena de um suicídio, e mais tantas outras trancafiado na redação do jornal, lidando com as mais diferentes pressões profissionais e emocionais, Thomas teve uma espécie de visão. Sentado em frente ao seu computador de trabalho, certo presságio lhe roubou a concentração, fazendo com que até mesmo derrubasse um pouco de seu café na roupa. Isso porque sentiu-se fraco e atordoado, perdendo parte das forças.

Depois, caiu em si, procurou secar-se com um pano, mas ainda pensando no que lhe viera à mente momentos antes. Uma maneira de encontrá-la. Uma maneira sublime de encontrá-la...

Assim, pegou suas coisas e saiu da redação sem falar com ninguém, nem mesmo com o redator-chefe, a quem devia explicações sobre certa reportagem que parecia estagnada. Ele mesmo andava preocupado com Thomas, que não lhe parecia em seu estado normal de espírito, numa misantropia fora do comum, por vezes resmungando coisas sobre uma história confusa que pretendia escrever para o concurso literário.

Thomas nesta noite tomou o rumo de seu velho e pequeno, porém organizado, apartamento. Possuía algumas estantes cheias de revistas e livros, a maioria dos quais nunca havia terminado de ler, provavelmente por falta de concentração. Outros tantos lia propositalmente apenas as partes mais interessantes. Assim mesmo, gostava de possuí-los como a uma coleção, folheando um pouco por dia, sentindo suas páginas, colhendo algumas ideias aqui e ali. Sentia-se como uma espécie de guardião do conhecimento.

O Cigarro tinha gosto de BeijoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora