No Reino dos Anfíbios

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Francisco carregava uma pesada mochila vermelha para o colégio. Alguém poderia dizer, "É uma tortura, este garoto é obrigado a levar um fardo muito pesado!", mas não era bem o caso. Para ele, era uma extenuante benção; gostava de caminhar pela rua, entre pássaros de outubro e automóveis descoloridos, com aquele símbolo de distinção atado ao seu corpo, como uma espécie de toga da sabedoria infanto-juvenil.

Não que, de fato, a coisa não fosse pesada. Porém, a questão eram os seus gibis, que carregava sempre dentro da mochila e davam-lhe um prazer velado; sentia a mais pura e ingênua necessidade de que esta pequena coleção literária estivesse presente nos seus passeios mais comuns. E, além disto, começavam a surgir, em seu pequeno coraçãozinho adolescente, qualquer coisa de sentimentos delicados e suaves, perfumados a toques de mãos femininas e olhares perdidos.

Esta garota que o impressionava, diziam alguns estudantes, era na verdade frívola como uma porcelana chinesa. Entretanto, bastava um sopro adocicado dos seus lábios, um balanço tênue de cílios, uma palavra vaga dita por deleite ou preguiça, e Francisco já afetava uma consideração sublime por todo o corpo de Fernanda. Era, positivamente, um templo de adoração para os dilemas incertos de uma primavera marcante.

Foi numa dessas aulas de biologia, em que a dinâmica dos corpos parece se tornar mais fluida, que ela lhe fez a seguinte observação fugaz, entre a análise da vida dos anfíbios e a curiosa fase infantil dos sapos:

"Gosto desse seu jeitinho, meio intelectual".

E ela disse isso com um sorriso tão lindo, contundente, mostrando parte dos dentinhos brancos, quase como metralhadoras de palpitações poéticas para um rapazinho do primeiro ano - e isto sem mesmo desviar os olhos da explicação catedrática do professor - que Francisco não pôde conter um leve enrubescimento de seu rosto. Fernanda, como um anjo malicioso, continuou a perturbar sua calma tépida e ansiosa:

"Ano passado eu li um quadrinho com desenhos muito bonitos; acho que era do Cosmic Boy. Conhece?"

Ele não conhecia. Por trás de seu tímido par de lentes corretivas, transparecia uma sensação de impotência, de vergonha atordoada, e tudo por causa de uma simples pergunta de mulher - o que, de certa maneira, corrobora a tese de que os homens têm seus desejos subordinados à aprovação do sexo oposto.

A cena toda teve um quê de ambiguidade e excitação novelística. Fernanda era, ao mesmo tempo, seu elixir e seu veneno. Nos quadrinhos, às vezes temos o herói caindo, sem reação, numa espiral de acontecimentos que não pode controlar. Como se o Super-Homem, vencido pela "criptonita" traiçoeira lançada por Lex Luthor, desmaiasse no abismo da atmosfera terrestre, lembrando de que só envolvera-se nisto, sobretudo, por causa dela, Lois Lane.

Assim, Fernanda assumia, igualmente, a forma de arqui-rival e mocinha. Seus olhares e frases inocentes derrubavam-lhe como maçãs corrompidas, e deliciavam-no como fonte de saboroso néctar. E, deste golpe, Francisco levava consigo, daí por diante, onde quer que fosse, livros e gibis. Tocado por esta ilusão, esta esperança vã - um toque de seda de seus dedos, um beijo efêmero de esfinge volúvel - vestia, de corpo e alma, todos os signos que lhe conferiam o título fático de apaixonado, fosse por uma garota, fosse pela literatura.

Noutro dia, ele viera correndo em sua direção, com sua pesada biblioteca balançando nas costas, dizendo-lhe:

"Achei este gibi num sebo! Cento e vinte páginas!".

Fernanda mostrou-se interessada. Observou com satisfação o seu precioso achado, aproximando-se dele, fazendo-lhe perguntas pitorescas, permitindo que sua beleza fosse contemplada de maneira mais íntima por Francisco, que a admirava. Cada delícia proferida por sua voz, cada lindo detalhe de seu rosto era sorvido lugubremente, como um vinho muito antigo.

O Cigarro tinha gosto de BeijoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora