Prólogo - Faroeste urbano

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Olhares desinteressados voltaram-se para a entrada do bar no momento em que o sino da pequena porta soou — e um ser de altura média surgiu, caminhando a passos lentos e silenciosos. Trajava um casaco cinza aberto por cima de uma camisa azul-céu e com uma corrente prateada que reluzia em seu pescoço, um pingente em forma de M na ponta, também de prata.

Ele aproximou-se tranquilamente do balcão e sentou-se entre dois homens, sem sequer fazer barulho. As sombras que o capuz peludo de sua blusa produzia revelavam poucas partes de seu rosto. Devido aos pelos, alguns rapazes o encararam, dado que o calor predominava sobre a cidade de Honorário naquela noite, mas o sujeito parecia não se importar.

A Lanchonete Lendária, como o próprio nome dizia, tratava-se de um lugar recheado de mesas e cadeiras num ambiente animado, geralmente muito cheio. O dono e chefe de cozinha do estabelecimento considerava-se um amigo dos próprios clientes, sempre fazendo questão de cumprimentá-los e dizer que todos eram bem-vindos, mancando ligeiramente enquanto se locomovia de uma mesa à outra.

Mas a lanchonete também possuía um bar. Uma ala afastada, com sua própria entrada e seus próprios clientes, era um típico boteco que recebia marmanjos durante as noites da semana, homens que chegavam cansados do trabalho e iam direto se embriagar, debatendo sobre futebol ou qualquer outra coisa do tipo.

Naquela noite, em especial, estavam comentando sobre a final do Campeonato Paulista que, embora não tivesse um time representando a cidade de Honorário na séria A, era motivo de muita conversa entre os bebuns rabugentos.

Que agora tinham a atenção voltada para o estranho que acabara de passar pela porta e que agora estava sentado entre eles. Não parecia alguém disposto a reclamar da arbitragem da partida ou do mal desempenho do Santos diante do Palmeiras. Ele apenas mantinha-se mudo.

— Vai querer alguma coisa? — perguntou o barman, olhando-o com ironia, notando que aquele indivíduo era novo nas redondezas. Insistiu, após ser ignorado: — Ei, você me ouviu?

— Parece que ele não gosta muito de falar. — Um dos homens que estavam ao lado do rapaz fez questão de dizer, carregando provocação em sua voz.

O estranho revidou:

— E o que você tem a ver com isso?

Embora fosse a voz de um mero adolescente, levava um notório tom de arrogância, o que não foi bem recebido pelo homem.

— Como é que é?! — Ele se levantou. Seu porte físico grotesco mediante a pequena estatura do garoto atraiu os olhares dos bêbados ao redor. Também um novato na região, o barman percebeu. Um homem de pele morena, com uma altura próxima aos dois metros e com músculos tão inchados que o sujeito se assemelhava a um lutador de MMA, além de uma expressão vastamente intimidadora. Aparentava ser daquele tipo de cara que gosta de briga e se enfurece com rapidez; o garoto permaneceu imóvel, mas acrescentou:

— Se você se ofendeu com algumas simples palavras, só tenho uma coisa a informar. — Ele ergueu o rosto para o grandalhão e completou: — Você não passa de um idiota.

O brutamontes rosnou, imediatamente erguendo seu enorme punho e direcionando-o com força contra o garoto. Seu ataque, no entanto, foi meramente bloqueado. E quem quer que fosse o defensor, consistia de alguém rápido e forte, que segurava firme o punho do grandalhão.

— Calminha aí, amigão.

Era o velho chefe de cozinha, que se movera tão rápido que até mesmo os bêbados estavam espantados. Afinal, ele não estava cumprimentando os seus clientes na ala das mesas? E ele não era manco, já que sempre caminhava de forma desajeitada? O único que ainda se mostrava despreocupado era o garoto, que permanecia no seu devido lugar, com o rosto ainda imerso na escuridão.

O homem enfurecido murmurou algo em um rosnado e depois se afastou, caminhando rumo ao banheiro do corredor do bar, irritado. O cozinheiro suspirou e olhou para o garoto do casaco cinza, que apenas se levantou e caminhou também em direção ao banheiro, lenta e despreocupadamente.

— Ei, não quero confusão na minha lanchonete!

O cozinheiro puxou o garoto e tentou encará-lo através do capuz.

— Tenho um trabalho a fazer. — A voz dele saiu, para a surpresa do cozinheiro, tranquila.

O cozinheiro o analisou rapidamente, e não disfarçou sua perplexidade ao notar o pingente em forma de M na corrente no pescoço do garoto. Parecia estar vendo alguém que não via há anos.

— Medeiros — disse a si mesmo, com ar admirado.

O garoto não disse nada. O velho fez uma expressão de "tudo bem" com a cabeça e ele se virou, voltando a caminhar, ainda de forma lenta.

— Ele é louco — comentou alguém que estava no balcão, bebendo.

— Vai apanhar feio do grandalhão — riu outro debochado.

E o garoto continuava ignorando a todos.

— Boa sorte — disse o cozinheiro, mais para si mesmo, observando-o caminhar.

Sem olhar para trás, o brutamontes entrou no banheiro e fechou a porta com força, seguido, sem perceber, pelo garoto. Ninguém no bar parecia preocupado, a despeito do chefe de cozinha, que tinha olhos fixos na porta, quase caminhando até lá, lutando contra todos os seus instintos.

O banheiro cheirava a urina de bêbado. Não que o homem enfurecido se importasse; ele apenas dirigiu-se à cabine do fundo, abriu a porta com agressividade e fez sua necessidade. Quando saiu para lavar as mãos, deu de cara com o garoto encapuzado, este imóvel e de cabeça baixa, quieto e com as mãos no bolso da jaqueta.

— Eu não imaginava que você fosse tão ingênuo. — O grandalhão o estudou. Um sorriso demoníaco se formava em seu rosto ao mesmo tempo em que lambia os lábios; o garoto manteve-se sombrio, o rosto ainda escondido. — Não vai dizer nada? — Aumentou o tom de voz, enfurecendo-se novamente.

— Acontece que eu não costumo conversar com a sua raça — disse o garoto com desprezo, virando o rosto para o homem que, vendo algo através da sombra do capuz, mostrou-se apavorado. Ele recuou, dando um passo para trás e batendo as costas na cabine fechada, enquanto o garoto tirava a mão direita do bolso — revelando uma espada pequena, de cabo cinza-fosco e lâmina prateada de fio duplo, não muito longa, porém afiada.

— Droga... — murmurou o brutamontes.


***

Dois minutos depois, a porta do banheiro se abria e o cozinheiro observava enquanto o garoto caminhava em sua direção, a passos lentos e descontraídos, da mesma forma quando entrou na lanchonete. Ele passou pelo chefe de cozinha e se sentou no mesmo lugar de antes, ainda encapuzado, ainda sossegado. Os bêbados o encararam por um segundo, sem dar tanta importância. O cozinheiro deu a volta no balcão, olhou rapidamente para a ala da lanchonete — que permanecia cheia, ainda — e ficou de frente para ele, perguntando, sério:

— Concluiu?

— Sim. — A voz do garoto era tão calma quanto seus movimentos.

— E onde está o corpo?

O garoto olhou para o cozinheiro, seu rosto ainda ocultado pelas trevas, mas dessa vez dois brilhos amarelos cintilaram exatamente onde deveriam estar os seus olhos, brilhos que apenas o chefe de cozinha pôde ver, um brilho que, provavelmente, ele conhecia muito bem; o cozinheiro o encarou estático, enquanto o garoto abria um sorriso pequeno, embora fosse um sorriso sombrio e assustador, dizendo:

— Virouareia. 


   

***

Ei, por acaso, você gostou da história até aqui? Eu sei que ainda é só o começo, mas você ajudaria muito com o seu voto (estrelinha) e a sua opinião. Saiba que do outro lado há um autor mais feliz só pelo fato de saber que tem gente nova na parada! Prazer, e seja bem-vindo à saga Caçador Herdeiro que, você pode ter certeza, está sendo escrita com muito carinho. Espero que você goste, de verdade. E claro, boa leitura. ;)

Wesley.

Caçador Herdeiro (1) - Vento Sufocante | COMPLETOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora