A Cobra e a Lagoa

19 3 0
                                    



Era mais um dia comum de trabalho. Havíamos acabado de iniciar a viagem pela estrada vicinal que nos levaria para a comunidade que atenderíamos hoje. Normalmente eu e Lívia preferíamos vir dirigindo, mas naquele dia, não foi diferente. Eu fazia de tudo para que o nosso transporte estivesse sempre disponível, pois quando nosso carro ficava no mecânico passávamos dias com um carro e motorista terceirizados.

A estrada era na verdade uma BR, rodovia federal, que nunca chegou a ser asfaltada. Uma parte dela estava ainda no barro e outra parte, mais gasta pelo tempo, de areia solta. Havíamos percorrido uns dois ou três quilômetros quando o parei subitamente.

— O que foi Adriano?

— Acho que passamos por cima de uma cobra.

— Uma cobra? — Assustou-se Lívia.

— Sim senhora, e era grande.

Desci do carro, mas Lívia, com seu pavor a répteis, preferiu esperar dentro. Há pouco mais de 5 metros estava uma cobra estirada e imóvel ao chão. Aproximei devagar, afinal não sabia se ela estava ainda viva, mesmo sendo perceptíveis as marcas dos pneus no chão arenoso.

Dois garotos, que passavam numa bicicleta, param junto a mim e pareciam admirados tão quanto eu naquele momento.

Ela tinha uma beleza exótica. Não era expert em cobras, mas em medicina estudamos as espécies que possuem valor clínico, ou seja, as venenosas. Aquela não parecia com nenhuma que eu havia estudado. Fiquei mais corajoso.

— Acho que não é venenosa.

— É mesmo não. — Confirma um dos garotos, o mais velho. — Essa é uma cobra de veado.

— Veado?

— Sim, as que matam no arrocho.

Lembrei então das cobras de constrição. Elas capturam suas pressas com uma mordida e, por não possuírem veneno, se adaptaram para matar suas pressas envolvendo-as com o próprio corpo e comprimindo até que não possam mais respirar e morram asfixiadas.

Com uma vareta cutucamos de leve aquele réptil que permanecia imóvel. O mais velho dos meninos criou coragem e pegou no fim do rabo levantando-a quase que completamente do chão. Deveria ter uns dois metros e meio de tamanho. Lívia, assustada, continuava no interior do carro sem sequer olhar em direção do suposto animal morto.

— Segura ai para eu tirar uma foto. — Falei.

Tirei uma duas ou três fotos. Naquele tempo não havia máquinas digitais. Subitamente a cobra se contorce e levanta a cabeça em direção da mão quem a segura causando um grande susto mim e no garoto. Ele a solta e rapidamente a mesma procura refúgio embaixo do carro subindo nas engrenagens do motor.

— Lívia! — Gritei. — A cobra está em baixo do carro. Sai daí.

— Deus me livre! Não saio não!

Ela parecia quase em choque, continuava imóvel dentro do veículo. Tive uma ideia!

— Ela esta subindo no motor, pode passar pelas saídas de ar!

Ela deu um saldo. O carro era alto, mas nesta hora nem pareceu. Logo em seguida, como um raio, correu para ficar segura há uns 10 metros de distância, pelo menos.

Conseguimos retirar a cobra dentro do motor e colocá-la num saco plástico grosso. Lívia não queria entrar no carro com aquela cobra viva, mas não teve muita alternativa. Passamos sobre um pontilhão e a soltamos na beira do córrego.

Memórias de um Médico no SertãoWhere stories live. Discover now