7. Eu juro que cada palavra que você canta, você escreveu para mim

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A madrugada estava alta quando Caio ouviu acordes do violão de Maria Carolina soarem ao longe. Ela estava sozinha sentada na areia da praia, parecia distante e reflexiva. Ele não pôde conter um sorriso quando percebeu que a letra da música entoada pela jovem falava de um encontro inesperado.

- Posso? - Ele perguntou enquanto sentava na areia logo atrás da loira, esticando as pernas em torno dela.

- Fique à vontade. - Maria Carolina respondeu, apoiando as costas no peito de Caio confortavelmente.

Ficaram em silêncio por um longo tempo, apenas apreciando os acordes formados habilidosamente pelos dedos de Maria Carolina. Algum tempo depois ela voltou a cantar baixinho e Caio beijou o topo de sua cabeça.

Havia uma sintonia natural entre os dois. Caio Hoffman, um homem que aos poucos foi tornando-se mais solitário do que gostaria em contraste com Maria Carolina, uma jovem e atraente mulher que geralmente buscava a solidão por simplesmente sentir-se confortável com ela.

- Você tem uma história?

- Que tipo de resposta você espera? - Caio sondou o humor de Maria Carolina antes de decidir se daria ou não uma história.

Um sorriso compreensivo brotou no rosto dela antes de colocar o violão cuidadosamente sobre a areia fofa e úmida da praia, virar o tronco na direção de Hoffman e enfiar o nariz na curva de seu pescoço.

- Espero o tipo sincero de respostas. - Ela nunca poderia ser acusada de não ser direta.

- Bem... - Caio limpou a garganta antes de retrucar. - Respostas sinceras pedem mente aberta e nenhum tipo de julgamento.

- Acho que posso lidar com isso. - Maria Carolina voltou a recostar-se no peito de Caio, ele por sua vez envolveu a cintura dela com os braços.

- Eu fui molestado. - Caio nunca tinha sido tão franco na vida.

Ele percebeu que a mulher em seus braços segurou a respiração no momento em que ele proferiu a frase. Para Hoffman era difícil falar sobre o abuso que tinha sofrido para pessoas próximas dele, que dirá para alguém que havia acabado de conhecer.

- Quase ninguém leva esse papo a sério, mas aconteceu comigo. - Ele prosseguiu porque Maria Carolina tinha pedido a verdade. - Fui molestado por uma mulher mais velha, entendedores do assunto chamam o evento de "estupro inverso".

Maria Carolina seguia muda.

- Eu nem sabia que tinha sido forçado, isso demorou a entrar na minha cabeça. - Caio confidenciou. - Ninguém considera que um homem pode sentir que seu direito de negativa existe. Na cabeça da sociedade o homem sempre quer trepar.

- Você não precisa contar. - A voz dela saiu muito baixa, quase num sussurro.

- Não me importo de contar para você. - Era verdade, ele não estava constrangido.

Maria Carolina virou-se de vez na direção de Caio, sentando-se de lado entre as pernas dele e descansando suas coxas por cima da esquerda dele.  De repente ela sentiu que precisava olhar para o rosto dele.

- Nem eu acreditava que uma mulher havia me estuprado. - Caio continuou. - Fiquei noivo dela por, sei lá... Cinco malditos anos.

- Você a amava? - Maria Carolina bebia as palavras que saiam da boca daquele homem terrivelmente sincero.

- Acreditava que sim, mas descobri que não no momento em que associei nosso relacionamento ao abuso.

- Ela era dominadora? - A curiosidade brilhava nos olhos atentos dela.

- Gisele sempre conseguiu aquilo que queria, inclusive a mim. - Caio admitiu. - Ela avançou, forçou tanto, investiu tudo o que tinha até me vencer pelo cansaço.

Maria Carolina ponderou aquelas informações por um instante que pareceu durar horas. Caio havia parado de falar também, sentindo que havia rompido um limite criado por ele mesmo. Não temia que houvesse alguma repercussão do que compartilhara com aquela mulher envolvente, mas ao ouvir-se tocando no assunto em voz alta, teve a sensação de que estava fantasiando algo impossível de acontecer.

Por sua vez, Maria Carolina voltou para a posição inicial e tomou o violão novamente. Havia uma canção pedindo para ser entoada, ela sentiu profunda compaixão e identificação com Caio, mas não poderia ser diferente pois ela também tinha uma cicatriz feia que sempre preferiu esconder.

Posso ser Ele?Where stories live. Discover now