Ela esquivou as sobrancelhas e limpou o açúcar remanescente em seu lábio inferior com a língua, o que fisgou o rapaz de jeito. E disse:

― Eu sou muito pequena pra ter todas as emoções humanas. Ciúmes ficou de fora.

Chris sorriu enquanto os olhares dos dois se encaixavam, mas dessa vez o triunfo estava todo com ele.

― Boa saída.

Os quatro adolescentes continuaram comendo naquela tarde e conversando sobre coisas triviais como o cereal de Esteban que não existia no Brasil ou como os garotos faziam para ter tantos músculos se ainda nem tinham dezoito anos completos – atletas, affe. A cada mordida no bolo, o cérebro de Manu clareava mais e a menina começou a se lembrar de outras coisas que aconteceram na noite anterior além do que envolvia Christoffer.

Seu estômago se embrulhou quando pensou no acesso de raiva que tivera e a fez dizer aquelas coisas para a tal Lea. Não que ela se arrependesse, pois estava, sim, com raiva por ter sido tratada daquela maneira. Mas não queria ter dito aquelas palavras, não queria que Lea seguisse suas instruções de verdade e mandasse Matheus à merda ou algo assim. Tudo o que Manu menos queria, honestamente, era que ele fosse para algum lugar longe dela, agora que o achou.

Era estranho porque a garota sequer o conhecia além do que descobriu pelas redes sociais. Ela não fazia ideia de que tipo de pessoa ele era, mas estava determinada a amá-lo. Quando Lea gentilmente a convidou para se retirar da festa Manu percebeu que, talvez, a situação com Matheus estivesse pior do que pensava.

Porque Lea, ao contrário dela, o conhecia bem.

E se a garota, que era namorada dele, a estava expulsando sem nem se importar em conhecê-la, será que era isso o que Matheus faria também?

Manu estremeceu com o pensamento e decidiu que era a hora de ir finalmente tomar o seu banho. Deixou os meninos ainda na cozinha e fez o que tinha que fazer, tentando evitar pensar nas coisas que deixou para trás quando decidiu se mudar para Costa Malva. Ela estava determinada a esquecer, determinada a começar uma nova vida e Matheus era o seu foco, era o último recurso que ela encontrara para se agarrar.

Guardar qualquer tipo de rancor não ajudaria em nada.

Ela respirou fundo, ciente de que estava à beira de um dos ataques de pânico que costumavam se apossar dela nos últimos meses. Sua médica havia dito um tempo atrás que o álcool era um agente depressivo e por isso não era recomendado que Manu bebesse na sua atual condição. Podia fazê-la se sentir mal consigo mesma, como estava se sentindo agora, o que era o pior tipo de ressaca que existia.

O fato era que só agora o choque de realidade bateu na porta de Manuela Pimenta e a fez assimilar na marra o que estava acontecendo. Ela havia se mudando para o outro lado do mundo sem pensar direito nas consequências e, quando chegara no seu destino, descobriu que o irmão não queria saber dela. Tia Jana era uma pessoa cheia de esperança e a fez alimentar a fantasia de que tudo ficaria bem, mas a noite anterior mudou as coisas. A noite anterior fez Manuela se dar conta de que Matheus não era apenas uma ideia milagrosa, mas uma pessoa inteira com seus próprios pensamentos, vontades e namoradas. Com a sua própria vida que ela tentava invadir.

Ela sentiu o coração palpitar e fechou os olhos para respirar fundo, com toda a firmeza que a médica a ensinara. Fechou as mãos trêmulas em punho e se concentrou naquilo, no chão debaixo dos seus pés descalços, no cheiro do xampu forte no seu cabelo molhado. Ela começou a contar, sem pressa de chegar a número nenhum, sentindo o tecido de malha da camiseta, o formato da sua barriga, o cadarço do short quadriculado. Expirou todo o ar que havia dentro do seu corpo e, quando abriu os olhos novamente, o mundo parecia organizado de novo.

Terceiro TempoWhere stories live. Discover now