Capítulo 2 - Começar

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Na infância, toda cicatriz é eterna.



"Onde estou? Que maldita dor de cabeça. Preciso de um remédio, um médico, essas coisas estão ficando mais frequentes." – Pensou Saori.

Ela olhou em sua volta e estava numa estrada de pedras, as casas em volta eram simples e compridas, com o famoso teto em forma piramidal a fim de evitar o acumulo de neve.

Não havia muros entre elas, apenas cercas vivas de arbustos. O clima era de outono, talvez no fim dele, começando o inverno. As folhas estavam caídas pela estrada, o vento passava e farfalhava deixando um cheiro de poeira no ar. O céu estava nublado, mas sem sinal de chuva.

Saori se perguntava que lugar era aquele, e a universidade, e a nova cidade e onde estão todos, e o anjo e mil coisas passavam pela sua cabeça, que doía muito.

Enquanto tentava se firmar em pé novamente, ouviu gritos de crianças de aproximando. Eram duas meninas que brincavam de tocarem na cabeça uma da outra e corriam para se esconder. As duas garotas que vestiam casacos e uma mochila rosa, pareciam um par de vasos ambulante, uma delas tinha o cabelo negro e comprido, com o rosto incisivo e ombros bem delineados, o outra era ruiva, com sardinhas e pele alva, elas sorriam muito e brincavam.

"Ei, vocês, que lugar é este?" – Disse Saori para uma delas, mas nenhuma delas respondeu, nem ao menos ouviram.

"Que ótimo, primeiro eu acordo sozinha na universidade, e agora numa cidade sei lá onde. Meu dia não poderia estar melhor"

Mas algo ali era familiar, aliás o cheiro daquele lugar era conhecido.

"Cheiro de frio e poeira, será que estou...? Não, não pode ser." – pensava ela, já percebendo que conhecia este lugar.

Então, no meio da brincadeira das meninas, um homem, ou melhor, um brutamontes saiu de uma das casas com um olhar agressivo e mãos fechadas. Ele tinha cabelos castanhos e barba rala.

Da janela da mesma casa, observava uma mulher, devia ter seus 30 e poucos anos, rosto apreensivo, maquiagem borrada, e tinha a pele cor de cobre. As sobrancelhas do homem estavam cerradas e fitavam a menina ruiva que, ao vê-lo, ficou paralisada de medo.

Neste momento, a menina de cabelos negros estava mais afastada e também parou de correr. O clima se tornou pesado, como se o peso mundo estivesse ali, eram só crianças brincando, como a idade impõe, e daqui há alguns anos sentirão tanta saudade das brincadeiras e da inocência perdida que, se soubessem, escolheriam jamais crescer. Mas não é caso, na vida real, só não cresce quem morre antes.

O homem se aproximou da menina ruiva gritando em sua face.

"Quantas vezes eu já te falei para não correr aqui na rua, sua merdinha? Você não presta para nada, não entende nada, não sei como é minha filha. Falando nisso, nem minha filha você deve ser com esses cabelos ridículos e essas pintas horrorosas no rosto." – Disse o brutamontes enquanto se abaixava e cuspia durante a fala.

"Você e sua mãe não prestam para nada. Duas mulheres inúteis. Eu tenho que fazer tudo aqui, eu estou cansado de dizer para não correr. Você vai se machucar e teremos que levar você na porra do médico. Entre agora! Porra!" – disse o homem e pegou o braço dela com força e levou para dentro.

Saori não acreditou no que viu, ao mesmo tempo que sentiu raiva e nojo daquele homem, como poderia ser tão estúpido e grosseiro com a própria filha e, ainda que fosse, nada justifica gritar assim com uma criança.

A menina não chorava. Não esboçava reação alguma. Foi sendo levada enquanto olhava para trás, escondendo todos os sentimentos ali dentro, como uma bomba-relógio.

SaoriWhere stories live. Discover now