A história começava com a morte dos seus pais quando eles eram bebês e deveria ter terminado no momento em que Matheus foi levado embora para Costa Malva pela família do pai (mais conhecida como tia Jana). Mas dezesseis anos depois um fato crucial fez com que o avô dos dois irmãos separados abrisse a boca.

― Sinceramente, me levem logo para o Casos de Família.

Tia Jana franziu as sobrancelhas.

― Casos de Família? – ela estava confusa, afinal não conhecia os programas televisivos brasileiros. Não que isso importasse no momento. – Isso não importa – foi o que disse, balançando a cabeça e recuperando o foco. – A questão é que se eu tivesse te contado, você não teria vindo pra cá. Eu conheço meu sobrinho, sei que ele precisa de tempo, mas com você aqui vai ser tudo mais fácil.

Fácil pra quem, eis a questão.

― Não é fácil pra mim saber que eu não sou bem-vinda, afinal de contas – Manu cuspiu as palavras antes mesmo de pensar sobre elas. Não queria demonstrar fraqueza, queria ser racional e só gritar com tia Jana pela traição, mas a verdade é que tudo o que ela estava procurando quando decidiu se mudar era estabilidade. Algo no qual pudesse se agarrar.

Ela não podia negar que ficou chocada quando soube da verdade, e ainda não tinha perdoado o avô por ter mentido por todos esses anos. Mas a ideia de ter uma pessoa vivendo nesse planeta com o seu mesmo DNA a deixara completamente fascinada. Ela se lembra de ter perguntado para o avô como foi que ele conseguiu viver esse tempo todo sem sequer ter notícias do Matheus, sabendo que ele existia.

― Se eu procurasse por informações sobre ele, não iria aguentar – o senhor respondeu. – Essa foi a decisão mais difícil que já tomei na vida e me pergunto todos os dias se foi o certo. Mas então eu olho pra você e me sinto aliviado por te ter por perto. Se eu não tomasse essa decisão, corria o risco de ficar sem nenhum dos dois.

Pelo modo angustiado como tia Jana olhava para ela agora, algo dizia a Manu que o sentimento da mulher não era tão diferente quanto do seu avô.

O quanto será que ela pensou sobre a sobrinha desgarrada durante esses dezesseis anos? Qual seria o tamanho da sua vontade de fazer com que sua família se reunisse novamente? Não estava nos planos dela que Lúcio (o avô) contasse toda a verdade para Manuela, mas ele havia entrado em contato com Jana antes de trazer tudo à tona. Havia explicado toda a situação que o fez tomar tal decisão e, agora, quando a mulher olhava para a sobrinha, tudo o que ela queria era poder abraça-la.

Manu não queria dar o braço a torcer, mas foi inevitável se sentir balançada por tis pensamentos. Ela praguejou internamente, amaldiçoando a si mesma. Se ao menos fosse tão fácil assim perdoar o avô quanto era lidar com Janaína.

― Você é bem-vinda, meu suspiro! – Jana a segurou pela mão e a puxou para que se sentasse no sofá novamente. Relutante, Manuela obedeceu, encarando a tia ainda decidindo se podia mesmo confiar nela. Não que ela estivesse em condições de resistir muito no momento, porque a quem ela queria enganar! Era óbvio que o mais importante era se conectar com seu irmão, mesmo que fosse ser mais difícil do que imaginava.

Homens. Sempre causando problema desde que o mundo é mundo.

― Perdão por não ter sido sincera sobre o Matheus, mas eu estou a tentar fazer com que aquele rolha ouça a voz da razão! E isso só vai ser possível com você aqui.

Manu assentiu, embora não soubesse o que "rolha" significava naquele contexto. Ela podia entender a revolta do irmão com toda a situação, porque, verdade seja dita, não era lá a coisa mais fácil do mundo processar a nova realidade. Primeiro de tudo, era preciso reconhecer que a única família que você conheceu havia mentido durante sua vida inteira, e que outro ser humano havia se alimentado do mesmo cordão umbilical que você quando eram fetos.

Terceiro TempoWhere stories live. Discover now