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Carmen teve dificuldade para abrir os olhos, já que eles pareciam ter grudado. Ela se lembra de chorar praticamente a madrugada inteira, e nem se lembra de ter adormecido.
Após a sessão com o cinto, que foi lhe dada nas costas e braços, seu pai a levou para cima no quarto onde a garota chorou, chorou como se sua vida pudesse acabar naquele instante, chorou como se sua dor pudesse sair junto com as lágrimas, como se chorar pudesse aliviar toda aquela mágoa dentro de seu peito. Ela não entendia, não conseguia compreender, seu pai murmurava que ela não prestava e que não valia nada, enquanto lhe dava a surra, mas Carmen não conseguia ver como errará, tudo que fez foi chegar atrasada, mas a essa altura ela já devia saber que qualquer coisa era motivo para agressões, desde um copo fora do lugar, até desordem de horários e afazeres. Tudo que ela sentia deitada no chão frio de seu quarto era uma profunda dor, uma dor tão forte que chegava a arder dentro do coração, como se estivesse cavando até a alma.
O sol entrava pela janela, tocando seu corpo no chão e esquentando sua pele, finalmente abrirá os olhos, mas sua vontade era de fechá-los e nunca mais acordar, Carmen queria naquele instante morrer, não entendia como sua vida poderia piorar, ou como sua vida melhoraria, estava com dezesseis anos e não tinha liberdade alguma para viver, sua única opção era ficar maior de idade e sair daquele inferno levando a mãe consigo, já que ambas sofriam nas mãos daquele monstro...seu próprio pai, e ela não conseguia o ver como a maioria de seus colegas viam seus pais, como heróis, amigos, protetores. Desde muito pequena se lembra de chegar no dia dos pais e todo um preparativo para a festa em homenagem ao dia, mas se quer conseguia lembrar um único dia dos pais em que ele lhe abraçou e lhe disse como a amava.
Uma batida bruta na porta fez seu coração disparar, o medo surgir dentro do peito, suas mãos gelaram e ela se encolheu ainda mais no chão gelado.
- Filha...- era a voz de sua mãe, Carmen quis ir até a porta mas suas pernas não se moveram, ela quis falar algo em resposta mas seus lábios simplesmente não se moviam. A porta foi aberta e ela pode ouvir os passos de sua mãe, logo em seguida sentiu braços a envolverem - Eu sinto muito meu amor - falou com a voz embargada.
Lágrimas escorreram pelo seu rosto, e ela sentiu como se pudesse despedaçar naquele instante.
"Como...como pode deixar ele fazer isso?!" Carmen conseguiu dizer apesar do bolo que se formou em sua garganta.
"...não tenho escolha Carmen " suspirou tentando afagar os cachos da filha. Carmen saiu de seus braços e se levantou mesmo sentindo suas pernas vacilarem e suas costas latejarem com o movimento repentino. Ela encarou os olhos escuros da mãe, olhos vazios sem esperança, sem brilho, sem vida,e disse mesmo sabendo como aquilo partiria o coração dela, disse mesmo sabendo que se arrependeria depois.
" Uma mãe nunca...jamais, deixaria um filho passar por isso "
Sua mãe se levantou e virou de costas indo em direção a porta.
" Seu pai vai te levar ao colégio hoje, ele estava te esperando lá embaixo " falou seca e se foi.
Carmen não queria ir ao colégio, não queria ver ninguém, não queria sair dali nunca mais. Seu coração queria se encolher em algum canto escuro e nunca mais sair, mas, ao menos teria algumas horas longe dali, era isso que lhe dava ânimo todos os dias, isso e Marina, como queria ter Marina por perto, queria sentir o conforto de seus braços lhe dando apoio, lhe dizendo que tudo melhoraria, dizendo que em algum momento as coisas se ajeitariam. Mas Marina não diria isso, nem lhe abraçaria, ela nem dava a mínima para alguém como você - a garota pensava tentando colocar os cachos atrás da orelha, decidiu ir tomar banho já que diferente das outras vezes ela iria ao colégio marcada, com os olhos inchados e uma dor sufocante - não que alguém vá se importar.

Devagar ela foi em direção ao banheiro, ligou o chuveiro e o controlou para a "água fria" água quente deixaria as marcas em carne viva, ainda piores e a dor seria horrível. Ao despir-se percebeu o que já via reparando a algum tempo, como seu corpo miúdo e reto, agora tinha ganhado algumas curvas. Ela entrou no box e deixou a água cair em seu rosto, pescoço e percorrer todo seu corpo, sentiu as marcas arderem um pouco, mas conseguou suportar, já tinha se acostumado.
A garota ficou pelo menos quinze minutos ali até sentir as pontas dos dedos enrrugadas e perceber que já estava limpa. Saiu do banheiro se secando, com cuidado na hora de passar pelas costas e braços.
Vestiu uma calça jeans, e uma blusa de manga, por cima da regata, provavelmente sentiria muito calor, mas não poderia chegar ao colégio mostrando aquilo.

Ao descer para o café da manhã, seu pai estava sentado com um jornal nas mãos, não a encarou quando se sentou e começou a comer, por mais que o pão com manteiga lhe desse enjoo, sabia que seria pior se não comesse, era sempre assim, agir como se nada tivesse acontecido.
"Já terminou? " ele perguntou colocando o jornal sobre a mesa. Carmen sentiu um tremor percorrer todo seu corpo, mas apenas assentiu.
" Vou escovar os dentes " murmurou subindo para o quarto.
Ao descer, se deparou com a porta aberta o que significava que ele já estava lhe esperando no carro.
Ela pegou a mochila e saiu da casa sem se despedir de sua mãe.
Entrou no carro e encostou o rosto na janela.

...

" Vou conversar com o diretor para que nao haja mais atrasos " seu pai murmurou quando parou o carro na vaga so estacionamento do colégio.
Carmen não disse se quer uma palavra, saiu do carro com a mochila e foi em direção a entrada do colégio. Passou pelos outros alunos, deixando os cachos em volta do rosto para enconder os olhos inchados.
Sua primeira aula era cálculos, o que sempre à deixava com dor de cabeça.
Ao entrar na sala não se dirigiu as primeiras fileiras como todos os dias, suas pernas à levaram direto para o fundo da sala, na última carteira longe do resto da sala como ela queria. Colocou seus fones no ouvido e abaixou a cabeça, nem a ideia de olhar para Marina hoje lhe fazia se sentir melhor, sentia como se mesmo de banho tomado seu corpo ainda estivesse sujo, podia sentir sua mente voltar para ontem a noite e sentir o couro do cinto acerta-lhe em cheio, a voz de seu pai ecoando em sua cabeça "vadia, isso que você é, acha que te crio para se tornar uma vagabunda" e não parava por aí, mas tudo que Carmen desejava agora do fundo de seu coração, era sumir...

Opostos - Romance LésbicoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora