O tarado do cinema

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Convite feito, convite aceito.

Tudo correu bem sem ansiedades ou estratégias, pelo menos por parte dela.

Pontualmente, como combinado, ele estava lá, perfumado, alinhado, dente escovado e gel no cabelo, mãos hidratadas, sapatos limpos a espera dela.

A expressão era de tensão e ansiedade, Lívia não entendia muito bem o porque da inquietação, já que se viam todos os dias e não havia necessidade de tantas formalidades e protocolos.

Como os dois eram pontuais, ainda lhes restavam alguns minutos antes do cinema, o que os possibilitou um passeio pelo shopping antes do horário do filme. Ela fez questão de chegar até um pouco mais cedo para que falassem mais de si mesmos, já que no dia a dia não havia tempo para esses detalhes, mas inevitavelmente falavam somente sobre tarefas e metas. E ele não relaxava, permanecia trêmulo e introvertido, e quando Lívia tentava introduzir algum assunto mais pessoal ele retomava a formalidade e só se falava sobre trabalho, para a tristeza de Lívia, pois ela estava ali exatamente para falar de tudo, até da novela das 21hs menos de trabalho, e ela tentava falar da vida dela de forma divertida e leve em vão, pois muito tensão ele não se se atentava a nada que ela falava como se estivesse focado em outra coisa.

Entendendo que se tratava de um ser humano reservado, ela prolongou a conversa e sempre que podia direcionava para assuntos gerais e engraçados para quebrar o gelo o que funcionou bem, pelo menos por alguns minutos, mas logo o olhar dele se perdia no horizonte demonstrando nitidamente não ter interesse na conversa ou no assunto exposto.

Ao olharem no relógio perceberam que já estavam atrasados para o cinema, pois a conversa foi longa e não muito proveitosa, mas o tempo passou muito rápido e agora não havia mais tempo para conversar, o filme iria começar, e dispararam em direção à sala, correndo e rindo o mais rápido que conseguiram.

E em uma jornada acelerada rumo a sala identificada no bilhete, conseguiram enfim chegar ao cinema em tempo hábil, onde as luzes ainda estava acesas, para a alegria de Lívia, pois Lívia odiava entrar no cinema com luzes já apagadas, ela não gostava de perder nem as propagandas, achava tudo fascinante.

Como cinéfila de carteirinha Lívia logo se direcionou a poltrona do meio, nada de laterais, fundo ou mais perto da tela, ela sempre se sentava ao centro, quase como um ritual, para ver e ouvir melhor! Pronto, tudo perfeito, agora é só esperar a magia acontecer.

Sem entender nada Lívia sentiu aquela mão forte e grande a puxando bruscamente pelo braço, e quando olhou assustada, para entender melhor, percebeu que era o amigo, com um olhar irreconhecível a conduzindo, por livre e espontânea pressão, ao cantinho mais escuro e isolado do cinema, o que já causou estranheza em Lívia que não conhecia aquela expressão tão rude e assustadora.

Lívia então cedeu ao impulso do amigo, rindo sem graça, sem muitos questionamentos, apesar de não concordar com o local escolhido pelo amigo, um local péssimo, para ela que queria apreciar o filme.

Claro que o amigo a arrastou quase em um ritual primitivo sem ao menos soltar qualquer som ou sílaba, ou mesmo um som gutural, para sinalizar a direção pelo menos.

Mas tudo bem, Lívia estava triste pelo término de um namoro que lhe rendeu alguns meses sozinha então aquele convite poderia ser uma oportunidade de conhecer uma pessoa legal que quebraria o luto que a deixou reclusa tanto tempo, então ela respirou e relaxou, deixando o amigo achar que estava no controle da situação.

Ela viu o ímpeto de ir para um local escuro como uma oportunidade, talvez, dele falar mais sobre a vida e talvez tentar um beijo inofensivo, quem sabe, de repente a suspeita de sua amiga era verdadeira e ela teria ali uma oportunidade de transformar a amizade em uma nova história de amor. Quando se é solteiro tudo pode acontecer, tentava adaptar-se a situação, mesmo ainda impactada pela a ação rude do amigo. 

Lista dos Falecidos - As tragicomédias de uma vida amorosaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora