Os brutos e os misteriosos também amam?

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Os brutos sabem amar...

*

Santana teve tempo para refletir sobre o que desejava para seu futuro.

Há trinta anos atrás, tendo vinte anos de idade, deixou de lado os votos de celibato e o clero para casar-se com Marie, filha do austero fazendeiro francês Jules. Fez isso para preservar a honra da moça que engravidou misteriosamente de um de seus irmãos, fugindo da família e pedindo sua proteção.

Marie nunca confessou qual de seus irmão lhe emprenhara. E nem mesmo quis batizar seu filho. Por ela foi chamado apenas de Franco.

Santana nunca tocou na esposa que adoeceu, falecendo poucos anos após o nascimento do filho que ela não amou.

Franco cresceu amando a figura paterna de Santana, mas também aprendeu a amá-lo como homem, um bruto de poucas palavras. A beleza do jovem franco-americano fora o teste mais difícil na vida do "santo homem" que conheceu o pecado através da paixão por seu protegido, que de forma consensual se deu a ele de uma vez para sempre, com apenas quinze anos.

Quando a família de Marie descobriu sobre a relação "marital" entre dois machos na região, sendo um destes seu sangue, mandou torturar e matá-los, a seguir pôr fogo na grande fazenda, no trigal e tudo que o pai de Santana construíra na vida. Por sorte nada aconteceu aos dois, pois Santana não só protegeu a si e Franco como matou violentamente cada enviado por Jules, mandando-lhe as cabeças junto com um recado:

" Um dia voltarei e duelaremos até que um de nós acabe como os infelizes que estão nos sacos".

Jules adoeceu, mas teimava em não morrer apenas para ter o prazer de enfrentar o homem que fez Franco, seu sangue, de "esposa".

No incêndio, Santana tentou salvar alguns animais e ganhou como despojo, uma queimadura horrenda na cara que o obrigava a andar com a barba enorme afim de escondê-la.

Não querendo arriscar a vida do amado naquela guerra, resolveu deixar de de lado a reconstrução de seu lar, preferindo se embrenhar pelo mundo fazendo justiça e incentivando Franco a seguir seus passos. Juntos fizeram fama e uma pequena fortuna como caçadores de recompensa, limpando o Oeste americano de tipos nefastos.

Mas um dia ele cansou, aos quarenta e cinco anos e com a consciência que seu enteado a quem sempre amou desmedidamente, muito tinha para conquistar por si. Por isso o deixou sozinho no mundo e passados cinco anos se arrependendo.

Foram cinco anos de terror espalhados por Nero, a quem Santana caçou anteriormente por anos anos sem sucesso. Franco perseguindo pistas, descobriu onde o tipo costumava se esconder e foi atrás dele, lhe dando um único tiro no meio da cabeça, numa disputa pela liberdade de um homem a quem nem conhecia.

Santana passou horas olhando para as estrelas e procurando aquela que mais brilhasse sabendo que seu ex amante olharia para ela se alimentando de esperanças pelo reencontro.

O antigo rancho de ambos ficava além do deserto e além das montanhas. Não haveriam somente de reconstruí-lo, mas de enfrentar a família da falecida mãe de Franco se houvesse a necessidade.

Franco não tinha renome e nem estava buscando gravá-lo em lugar algum. Junto com Bill, pelo qual tinha sentimentos confusos, desejava apenas achar um lugar onde construir uma vida tranquila. Já o velho Santana sabia que não havia nascido para viver sossegadamente ao lado de James que o "escravizava" com seus dotes e seu charme, comparando o pequeno a uma garrafa de scotch, quando ele ansiava por um copo de água fresca.

James, o prefeito ficou escorado perto da janela fumando. Deixou que a lágrima irritantemente teimosa riscasse seu belo rosto. Não se virou para despedir-se, mas desejou que Santana encontrasse o objeto de sua procura e fosse feliz, do jeito que ele não conseguiu fazê-lo. Pela janela da prefeitura observou Raio, o cavalo, cavalgar na velocidade que lhe deu o nome, levando seu homem para os braços de outro que certamente o acolheria. Por longos momentos ficou desenhando na vidraça embaçada, letras de seus nomes até que não houvesse espaço para continuar sua distração e de forma raivosa esfregou a palma da mão até que apagasse quaisquer resquícios de lembranças que o impedisse de tocar a vida.

Se empinou dentro do terno sempre bem cortado, arrumou o lenço no pescoço e caminhou para seu gabinete onde procederia como sempre o fez, sentindo falta da figura que impunha respeito mais do que ele e que se afastava para nunca mais voltar.

Os sons de galopes de dois cavalos que investiam furiosamente para dentro da cidade, deixaram James atônito, mas com o orgulho preservado ficou sentado imóvel e esperando quem entraria por suas portas assim que a cavalgada cessasse...

*

O destino de Bill...

*

Franco e Bill ainda se encontravam aos pés da montanha imaginando que encontrariam bichos selvagens e não pessoas no lugar. Franco jamais titubeava em atirar quando sua vida estivesse em risco e atirava bem com ambas as mãos que seguravam com firmeza cada qual uma pistola. Por longos momentos esperou algum movimento do grande e imponente ser que não desviava os olhos escuros como noite sem lua, dos seus olhos de tarde cinzenta de tempestade.

- Ei! – Bill falou, porque sua boca não conseguia ficar fechada e uma flecha precisa cravou no espaço entre as patas do cavalo. – Nossa!

- Homem branco não é bem-vindo. – Disse a bela criatura olhando curioso para Bill, que devolvia o olhar hipnotizado.

- Olha, não nos mate que voltamos pelo mesmo caminho e esquecemos que vimos você, certo?

- Calado, Bill. – Franco estava certo da hostilidade daquele tipo de índio que habitava as montanhas. Eles não faziam muita distinção entre matar um urso ou um homem branco. Mas e o pequeno Bill? Parecia haver fascinação sobre Bill e suas características no olhar perigoso do belíssimo Sioux, que os enfrentava de mãos vazias.

- Ei, Franco... Ele não vai nos assar no espeto? – Bill cochichou para Franco e teve uma ideia idiota que poderia matá-los ou salvar de uma vez. – Olha, chefe... – Falou incerto da posição hierárquica do índio. - Já ouviu falar de um mestiço creek chamado Nero? Nero era creek, acho que isso... matava dakotas aos montes.... Não somos caras maus e ele, o Franco matou Nero...

Bill gesticulava apontando Franco como se o índio fosse a criatura mais limitada do mundo e não compreendesse o idioma.

- Chefe Águia do Norte sabe quem era Nero. Nosso povo agradece. Descansem por algumas luas e vão embora.

Bill solta um suspiro de alívio audível fazendo outros dois índios escondidos na mata, saírem e o olharem curiosos.

Enquanto Kid seguia o cavalo do chefe, ele comentou:

- Cavalo cinza não deve seguir viagem, deixa ele com a tribo e lhe dou outro.

- Não vou deixar o...

- O cavalo fica. – Franco se apressou antes que a menção ao nome do cavalo "batizado" de Apache por Nero viesse a ofender o povo daquela tribo.

Bill ficou triste e percebeu que Franco às vezes se aborrecia com sua tagarelice.

Foram horas intermináveis circulando por montanhas de subidas difíceis, andando por vales perigosos, passando por montes rochosos que se tornavam alaranjados pelos reflexos do sol no final das tardes. Sim, foram horas cansativas de dias de viagem. Um franco-americano, um negro e três índios Sioux extraordinariamente belos e fortes, que viajavam lentos poupando Apache que tinha suas forças quase exauridas, pelo cansaço e a pata gangrenada.

Uma fumaça no horizonte por trás de uma montanha alta, fez chefe Águia estufar o peito e dar o primeiro esboço de sorriso, curvando o cantinho da boca máscula, prendendo outra vez a atenção de Bill que recebeu um olhar diferente do chefe, só não ficando corado, porque sua cor não demonstrava.

...

ERA UMA VEZ... NO VELHO OESTEOnde as histórias ganham vida. Descobre agora