Bill e o forasteiro - Parte 01

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O belo ex escravo Bill...

*

Era uma vez no velho Oeste... Num salão onde atrás de um balcão um jovem negrinho atendia caprichado o Xerife, um velho frustrado que reclamava muito da mulher que o maltratava por seu jeito abaitolado, sendo que ela era motivo de chacota na cidade pequena por esse fato... Ele e o pequeno ex escravo Bill pareciam confidentes, falando aos cochichos sobre os boatos que Nero, a figura nefasta, ateara fogo em uma fazenda e voltava para ir à forra com os irmãos Nelson, dois pilantras que lhe passaram o documento de posse, mas não avisaram ao bando que haveriam de encontrar resistência por lá, fazendo-os decidirem entre tomar o lugar do seu jeito sanguinário ou voltarem humilhados.

Sobre o salão haviam os quartos de aluguel para alguns forasteiros que se aventuravam por aquelas bandas. O bar estava cheio, conversas altas, bêbados se socando, garrafas e cadeiras quebradas na cabeça ou costas, copos trincando ao baterem nas mesas onde algum esperto passava a perna nos outros na jogatina, algumas putas de vestido armado e corpetes que faziam cinturas absurdamente finas, parecerem um lindo cálice onde na borda serviam peitos avantajados quase inteiramente para fora, distraindo os mais burros, sempre solicitas sentavam nos colinhos dos mais abastados, ladrões e sortudos para sugar dólares furados, oferecendo-se aos seus ouvidos, para chupar a benga destes em um canto afastado.

O xerife bate os trocados sobre o balcão, ficando sério para o Bill, erguendo as calças, arrumando os suspensórios e ajeitando o pau numa pose de macho.

Bill ficou sozinho a observar algo que nuca mudaria.

O pequeno Bill, como lhe chamavam, com suas marcantes características afro deliciosas, lábios grossos e suculentos, dentes tão brancos que fazem inveja até no autor, pele brilhante que nos faz desejar acariciar com uma rosa, dedos e língua, de estatura pequena e muito mimoso, era uma tentação intocada, virgem mesmo. Mas não havia alguém macho o suficiente para tocar no que era de Nero, segundo Nero alegava.


O lindo e misterioso forasteiro...

*

Tão logo o xerife se vai, o barulho parece aumentar, o falatório e a violência que culmina em tiros do lado de fora do bar.... Um grande cara gordo cai morto no meio da rua poeirenta que agora o vento levanta anunciando a chegada de algum bando a cavalo. Os sons do galope apressado trazem lembranças ruins ao povo da pequena cidade que se esconde embaixo de mesas, atrás de portas e balcões. No bar o mesmo povo que discutia, parece gente civilizada e quase se ouve o barulho do silêncio sendo quebrado pelo som de esporas no lento caminhar de alguém.

Alguns bebericam nervosos com as mãos nas armas achando que se for Nero haverão de ter alguma chance, pois jamais houve um pistoleiro mais rápido que ele.

Os sons dos passos firmes traçam o perfil do sujeito que é analisado pelos mais velhos como passos de alguém seguro que caminha diferente de Nero, mas não causa nenhuma tranquilidade...

As portas do salão se abrem para entrar um sujeito alto com o chapéu de aba larga e muito desbotado que esconde sua face, sua roupa é gasta e seus passos na direção do balcão causam apreensão não só no pequeno barman, mas em todos ali dentro, bons e maus.

Quando ele se volta à mesa que está no canto, seus ocupantes saem correndo como ratos covardes, embora o estranho não tenha feito menção de expulsar ninguém, mas aceitando agora a "gentileza" em seu favor.

O barman tão atrevidinho, sempre se recusando fortemente a sair de trás do balcão não pela preguiça, mas por medo de lhe passarem a mão em seu redondo e bonito traseiro, precisa sair e o faz meio desconfiado uma vez que nem viu a cara do sujeito com chapéu a lhe esconder boa parte das feições.

- Moço, posso lhe servir algo? – Bill sente medo e gagueja.

O forasteiro permanece em silêncio provavelmente a pensar nas opções, enquanto isso um misterioso fumo aceso lhe chega nos lábios e somente após a tragada longa se ouve o timbre grave de uma voz bonita.

- Uísque duplo, fazendo o favor.

Bill ouviu perfeitamente as palavras que ninguém costuma usar em um bar e principalmente com um ex escravo, ficando cativo desse gesto fino vindo de alguém aparentemente bruto e antes de voltar para trás do balcão dá uma última olhada para a boca do sujeito, a mais sensual e bonita que jamais viu, máscula com o lábio inferior mais cheio, tendo os cantinhos virados para cima com um sorriso escondido ali.

O jovem se apressa em servir bem ao estranho e corre para lhe entregar o copo da bebida com uma dose caprichada. Seus dedos finos e gelados tocam nos dedos quentes e sem querer se assusta, mas antes que o copo vire o forasteiro o segura numa agilidade surpreendente deixando Bill cada vez mais impressionado.

- Será que há um quarto na pousada? Seguirei em frente logo que tiver resolvido uns assuntos.

Bill tem certeza que não há nenhum quarto disponível, mas não refreia a frase:

- Olha senhor, pode dormir na minha cama e eu dormirei no chão, já fiz muito disso, dormia no estábulo quando era pequeno, também não necessita me pagar...

O forasteiro, lentamente levanta a cabeça e afasta o chapéu sem ser galante e Bill percebe que está sendo medido dos pés a cabeça, afinal o que o pequeno liberto disse chega a ser engraçado já que perto do estranho ele deve ser duas cabeças mais baixo.

Ele até ficaria aviltado, mas fica perdido no charme de um bruto com traços refinados, bonitos e olhos cinzentos como se trouxesse uma tempestade junto de si.

- Aceito, mas pagarei pela hospedagem e posso dormir no chão, sou homem acostumado a dormir em qualquer canto.

Após a bebida o homem sai sem que se ouça um murmúrio sequer. As portas vão e voltam várias vezes até pararem e permitir que os mais corajosos respirem.

O forasteiro anda sempre com o tilintar das esporas lhe acompanhando, escova seu cavalo Kid muito cansado e lhe dá de beber no coxo de madeira, pagando uns trocados ao velho fedorento e peidorreiro, que cuida dos estábulos. Este trata como magnata o esperto Kid que leva mais feno que os outros cavalos, pelas moedas extras.

Não há muito para se olhar naquela cidade no meio do deserto, quase tudo ali é feito de madeira: hotel, casas, farmácia, hospital, bar, com exceção do banco e a delegacia que são as únicas obras feitas de tijolos. A poeira levanta alto quando passa alguma diligência, bandos de cavaleiros ou perseguição do bando do Nero a algum infeliz maldito que desgraçadamente entrou no caminho do pior criminoso do Oeste.

Anoitece e o forasteiro calmamente volta ao bar onde o negrinho lhe oferecera pouso, esperando paciente o jovem se livrar dos últimos bêbados e vir em sua direção lhe indicando o caminho para fora do estabelecimento, falando sem parar enquanto o grande homem estranho o segue calado dando a volta do bar e subindo a escada de madeira que range alto.

- Cuidado, esse penúltimo degrau está solto, é uma armadilha. – Bill destranca a porta do cubículo onde dorme e vai logo avisando. – Moço me desculpe, mas antes de dormir deve se banhar, pode usar esse balde da goteira para buscar água para nós, porque a camareira não atende pessoas como eu para termos o privilégio de ter a banheira cheia e muito menos água morna. Pode usar esse sabão, não cheira bem, mas tira a sujeira mais grossa do corpo.

Bill e o forasteiro descem para o banheiro, que consiste em algumas tábuas pregadas verticalmente e se despem afim de usar a água recém tirada do poço para se lavarem.


ERA UMA VEZ... NO VELHO OESTEOnde as histórias ganham vida. Descobre agora