Chamas do Papa

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Papa Sicílio, também conhecido pelos covens* de O Cruel, fizera e fazia um ótimo trabalho em nome da Inquisição. No ano de 780, inaugurou, na Arena de Cápua, na Itália, um enorme inferno para os considerados pagãos. Os vinte e três mil e oitocentos metros quadrados foram preenchidos por várias cruzes de madeira com pilhas de toras de árvores. No chão, foi pintado uma cruz vermelha enorme no centro e o local onde uma vez ficava o imperador para assistir dois ou mais homens gladiando-se, onde escravos eram desenvolvidos para lutar e morrer, agora era o lugar onde o Papa sentava e assistia as queimações. Os assentos eram pagos e todo o dinheiro arrecadado ia para a Igreja, o que limitava o acesso de muçulmanos e pobres. Quem assistia, amava.
Em Março de 800, uma nova inquisição foi feita. O Cruel, com seu alto investimento para descobrir vilarejos que guardavam bruxos e feiticeiros, encontrara, em um vilarejo nas redondezas de Veneza, dois homens e duas mulheres acusadas de bruxaria e feitiçaria, incluindo invocação e evocação de entidades específicas.
Foram levados por carroças com grades de dois metros de altura, dois metros de comprimento e cinquenta centímetros de largura até a arena do Papa. Ao chegarem lá, foram presos por amarras e correntes em diferentes cruzes. Todos os cristãos presentes gritavam, aprovando o espetáculo e jogavam frutas e o que achavam nos bruxos.
Três deles escondiam o rosto no peito para se proteger do que lançavam. Mas tinha um que, ao invés disso, olhava para a multidão, procurando alguém específico. Passando o olhar de pessoa à pessoa.
Sicílio finalmente levantou o braço, pedindo silêncio, tossiu e puxou um pedaço de papiro.
"Os três demônios foram trazidos aqui para pagar pelos seus crimes. Dentre eles, evocação de entidades maléficas, relações sexuais por prazer e não por Deus, além de rituais demoníacos envolvendo relação sexual, invasão da paz de nosso Senhor Jesus Cristo em nome de Satã", e continuava uma lista imensa. Muitos dos crimes colocados na lista na verdade nunca aconteceram, mas precisavam trazer o ódio ao povo. Assim, o sistema continuava e em boa ordem.
As mulheres e homens das arquibancadas voltaram a gritar em comemoração quando um dos homens posicionados no portão da antiga arena pegou uma tocha e a acendeu em um dos dois vasos que continham fogo e carvão mantidos nas laterais do portão. O homem não usava camisa, revelando um corpo cheio de músculos, mas usava uma máscara de couro preta no rosto, além de uma calça também de couro e preta.
O primeiro a ser queimado foi uma mulher. Ela chorava e berrava para terem piedade, mas o povo apenas ficava mais feliz.
"Façam-na queimar!", berrava um.
"Tirem as roupas dela, façam ela chorar mais!", berrava outro, cuspindo e lambendo os beiços.
O fogo da tocha desceu calmamente até as toras, onde finalmente, com ansiedade, correu até a madeira da cruz. Ela berrou por mais um minuto, até perder a capacidade de falar e morrer.
O segundo chorava, mas não berrou. Apenas soltou um grito agudo quando o fogo tocou suas pernas. Este morreu logo, sua vida esvaiu com agilidade.
Finalmente chegara. Um homem negro estava na multidão que comemorava. Ao contrário do resto, estava quieto. Vestia uma manto marrom que ia da cabeça (com uma touca) até os pés. Ele fitou o único bruxo que não gritava e nem chorava e o bruxo fitou ele. Tinha ansiedade, mas não exigiu que o outro se mexesse agora - era o negro que decidia quando ir, pedir que o apressasse poderia fazê-lo desistir.
O céu, que estava claro e sem nuvens, de repente ganhou um aspecto cinza. Os ventos tornaram-se mais fortes que a leve brisa que estivera ali segundos atrás. Mas ninguém notou a diferença além dos dois bruxos restantes e do homem quieto na multidão.
As chamas atingiram mais um, mas esse segurou os gritos de ajuda e dor até as chamas atingirem sua cintura.
O que segurava a tocha deixava os pagãos queimarem até morrerem para queimar mais um. Ele gostava de ouvir as vozes gritarem de felicidade e a voz do que morria se perder até parar de existir, junto com sua vida. Morreu olhando para seu professor, um pedido silencioso de socorro e uma demonstração de medo.
Finalmente chegou a vez do último. O Papa berrou silêncio até todos ficarem quietos. Quando ficaram, prosseguiu.
"Este homem é o líder dos três. Ele viu seus aprendizes morrem!", comemoram por alguns segundos e depois deixaram ele continuar. "Agora, ele será queimado! Sofra o que você mesmo causou, bruxo!"
"Você devia nos temer", gritou o bruxo para que Sicílio ouvisse, mas sua voz era calma, "sei que morrerei aqui, mas meus rituais e meu nome ainda estarão vivos. Você devia nos temer", finalizou.
Abaixou a cabeça e esperou derramarem o fogo nele.
Por um instante, o público ficou quieto, saboreando o gosto amargo das palavras daquele homem. Mas finalmente, começaram a comemorar enquanto a tocha ia em sua direção.
Enquanto isso, o homem negro caminhava entre a multidão com uma incrível agilidade. Não tocava em ninguém e ninguém o notava. Era invisível, magicamente invisível. Caminhou até as escadas que davam para a plataforma onde o Papa, o rei e a rainha estavam.
Enquanto isso, as chamas começaram a consumir a cruz do líder dos bruxos daquele vilarejo. Rangia os dentes de dor e soltava alguns gritos, mas seus olhos se mantinham atentos ao homem do manto.
Os guardas não pararam ele. Viram ele subir os degraus, mas por alguma razão que não entendiam, não se mexeram.
Por fim chegou na plataforma do Papa e agora caminhava em sua direção. Os guardas retomaram sua movimentos e começaram a subir as escadas com suas lanças prontas para perfurar carne.
O homem santo levantou-se de seu trono vermelho e belo ao ver o de capuz, que, por ser ridiculamente mais alto que ele, se curvou para frente para chegar à orelha do O Cruel. Sussurrou em seu ouvido, o Papa ficou imóvel por alguns segundos, boquiaberto e olhando para o nada. Finalmente ele caiu do parapeito da plataforma e teve uma queda de cinquenta metros até o chão. Seu crânio abriu no meio, mas morrera antes de cair.
Quando os guardas acertaram suas lanças nas costelas do encapuzado, atingiram apenas tecido, que desmontou nas lâminas que agora se cruzavam.
Todos sentiram um calafrio e ouviram uma risada em seus ouvidos.

Chamas do PapaWhere stories live. Discover now