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Para falar a verdade, eu nunca fui uma pessoa muito compromissada. A minha inteligência, um tanto nata, me ajuda a conseguir manter as poucas necessidades que tenho, mesmo que seja de um jeito considerado ilegal. Admito que a curiosidade pelas relações humanas seja algo difícil de controlar. Eu nem sou um stalker louco ou tarado, não prejudico ninguém que não mereça. Na maioria das vezes, sigo sendo um observador distante, analisando seus passos e suas ações, puramente por curiosidade, às vezes, até mesmo por tédio. As minhas "vítimas" são pessoas comuns que, na maioria das vezes, encontro por pura coincidência.

O vizinho que mora na casa grande bem à frente do meu prédio, por exemplo. Um empresário muito rico, casado e com um casal de lindos filhinhos pequenos. Há alguns meses atrás, vasculhando a linha telefônica, ouvi as conversas com a amante.

Eu invadi a rede de sua casa e o computador pessoal dele. Nossa, tinham muitas coisas que eu fico enjoado até de pensar. O cara tinha uns fetiches muito esquisitos, enfim, copiei todas as mensagens, e-mails, fotos e vídeos que consegui antes de querer vomitar. Por um momento, fiquei em dúvida sobre o que faria com as informações, mas decidi gravá-las em uma pendrive. Coloquei em um envelope pardo e no outro dia fui até o carro dele, que sempre ficava estacionado em frente da casa, foi bem fácil arrombar a porta e deixar o envelope sobre o banco do motorista sem ser percebido. Observei-o ficando cada dia mais tenso durante aquela semana, até que resolvi fazer contato por meio de uma curta ligação.

- Alô?

- Acredito que tenha visto o presente que eu deixei.

Eu, particularmente, nunca me considerei muito hábil com ameaças. Até mesmo porque não sou um sádico, cínico ou esse tipo de coisa. Eu só achei que esse cara era um belo de um filho da puta e merecia que eu o ferrasse mesmo, o deixar viver a vida sem nenhuma consequência, em algum dia, iria pesar na minha consciência.

-O que você precisa para continuar mantendo disso um segredo?

-Ah, eu preciso de pouca coisa, é viável pra você...

Foi tão fácil que eu demorei em acreditar. Não é nenhum tipo de justiça, até porque eu não tenho muita moral para pagar de justiceiro, mas pelo menos consegui me beneficiar da desgraça de alguém. E bem, é assim que eu tenho sobrevivido pelos últimos quatro meses.

Eu comecei a usar a internet e suas ferramentas como uma arma quando tinha uns 14 anos. Entendia, facilmente, como configurar e reconfigurar as redes de computadores, me escondia em lixeiras e subia em árvores tentando receber os sinais telefônicos pelo meu notebook. Era divertido ficar vasculhando a vida alheia, era uma das poucas diversões que eu tinha, pra ser sincero.

Foi assim que percebi como as pessoas não eram nada do que simulavam ser. Quando estavam sozinhas, na frente da tela dos celulares e computadores, protegidas pelo anonimato que a web dá, elas mostravam quem eram de verdade, nojentas e sádicas. Comecei a me distanciar cada vez mais de humanos quando descobri as prostitutas que o meu pai contratava por um site. Meu pai sempre foi um cara exemplar, eu o adorava. Quando descobri, tive um choque de realidade, eu não queria nem imaginar as perversões que o resto do mundo fazia, mas por algum motivo, eu tinha curiosidade em saber.

Depois disso, foi difícil continuar a convivência em casa e decidi ir embora, terminando como estou agora. Dezenove anos, sozinho em um apartamento, sem amigos, família, com um emprego de meio turno em um escritório de concerto de eletrônicos, que me paga uma miséria por sinal, e um gato.

Eu acordo cedo, antes do sol nascer. Saio de casa para o trabalho às oito horas em ponto, quando tenho alguma coisa para fazer costumo terminar o mais rápido possível para ficar vendo algum programa inútil na televisão de 20 polegadas sem cor que fica no escritório. Alguém a deixou lá para concertar e nunca mais voltou, compreensível. Eu volto para casa umas duas da tarde e passo o resto do dia fazendo inutilidades. Depois que eu desisti de continuar fazendo faculdade, após um semestre, meus dias se resumem em ficar ouvindo as conversas dos vizinhos, espiando pelas janelas, invadindo as redes sociais de alguém que eu acredito ser no mínimo interessante, lendo, ouvindo música, comendo besteira ou conversando por chat com meu melhor amigo. A parte de espiar pelas janelas é uma das minhas favoritas, tanto que, há algumas semanas, eu comprei uma luneta com tripé para conseguir observar melhor. Cara, meus vizinhos fazem tanta merda que eu poderia escrever um livro relatando tudo que eu já vi.

A minha rotina sempre foi tão perfeitamente pragmática, sem nenhuma surpresa ou novidades que quando eu ouvi duas batidas na porta, não entendi e ignorei. Até elas continuarem, mais duas, mais três, mais quatro. Eu levantei da cadeira um pouco receoso, atravessei o corredor que levava até a sala, depois a cozinha até chegar à porta, olhei pelo olho mágico antes de atender. Na hora fiquei feliz por ver o que era, mas senti uma excitação sem sentido. Meu gato – e companheiro de quarto – tinha sumido ontem e não voltou mais, um cara tinha vindo trazê-lo. Eu abri a porta para receber ele. Parecia estar preocupado e aflito, e logo começou a pedir repetidas desculpas.

- Olha, eu realmente sinto muito. Eu estava indo para faculdade distraído e acabei atropelando ele com a minha bicicleta. Desculpe-me, eu levei-o até a veterinária, acabou que a pata tinha quebrado. Acredito que já esteja bem agora. Realmente, me desculpe. O endereço estava escrito na coleira, então decidi vir até aqui.

Ele deva ter uns vinte anos, mas era mais baixo que eu. Tinha os cabelos tingidos de vermelho, os fios estavam suados e caiam sobre a testa, escondendo uma parte das sobrancelhas. Os olhos negros pequenos estavam arregalados, me olhando aflitos e esperando uma resposta. Ele tinha lábios grandes e bem desenhados, soavam até um pouco femininos. O corpo era magro e esguio, porém com músculos aparente e definidos. Enfim, realmente atraente, ainda mais usando jeans escuro e colado. Fiquei um tempo mais do que necessário olhando para ele. Resolvi responder, pois já estava ficando um pouco estranho.

- Bom, obrigado por trazê-lo de volta. Não precisa se desculpar, foi um acidente. E se tivesse sido outra pessoa, nem sequer iria parar para socorrê-lo. Posso perguntar seu nome?

- Sou Park Jimin, e você?

- Kim Taehyung. Quer entrar? Eu tenho água.

Eu me senti meio idiota por ter dito aquilo, mas eu realmente só tinha água em casa. E ele também não tinha motivo nenhum para entrar no apartamento de um adolescente que vestia camiseta de videogame e uma cueca boxer ridícula de bichinho. Admito que fiquei com bastante vergonha quando me dei conta de como estava vestido.

- Bom, eu até que gostaria, mas tenho que ir. Eu moro aqui perto, quem sabe a gente acaba se vendo por aí de novo.

Ele me deu um sorriso um pouco sofrido, acenou e foi embora. Eu fiquei parado, encostado na lateral da porta, olhando ele de costas, andando até entrar no elevador e desaparecer. Eu queria vê-lo de novo. Senti uma sensação estranha, que ainda não havia sentido. Queria ouvir a voz dele e saber quem ele era, o que ele fazia. Foi naquele dia que Park Jimin, um universitário qualquer, me fez, pela primeira vez, ter a necessidade de alguma interação social. 

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