Capítulo 5 - A Ponta do Aicebergue

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No grande freezer a situação ia de mal a pior, após uma noite em claro muitos sentiam-se privados de suas necessidades mais básicas, tendo de urinar dentro de garrafinhas atrás de uma estante cheia de caixa repletas de suprimentos

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No grande freezer a situação ia de mal a pior, após uma noite em claro muitos sentiam-se privados de suas necessidades mais básicas, tendo de urinar dentro de garrafinhas atrás de uma estante cheia de caixa repletas de suprimentos. O sono na noite mal dormida era constantemente interrompida por choros e resmungos repentinos daqueles alunos que estavam mais fragilizados com o impacto causado pela catástrofe da noite anterior, aquilo insistia em ficar na mente de todos, todos estavam desabando de seus mundos perfeitos. A incerteza do que os aguardava pela frente deixava cada um com os pensamentos longínquos e a vontade de sair correndo da escola para casa era algo recorrente na mente de cada um.

Os alunos contestavam uma forma de se libertarem daquele cativeiro que os salvara da noite repleta de medos e trovões, assim como do frio, alguns pensavam em derrubar a grande porta de metal maciço, outros pensavam em só ficar ali esperando alguém vir ajudá-los, mas para todas as hipóteses apresentadas, apenas uma pergunta sempre ficava no final: "E depois?". Quando todos já estavam enfadados de buscar alternativas para saírem do freezer, Amanda olhou para cima e avistou uma grande tubulação que levava daquela sala até a cozinha.

-Pessoal, olhem aquilo - A garota estava com a maquiagem totalmente borrada, passou a noite inteira chorando como os outros, mas foi uma das a se calar e tentar achar uma forma de sair dali - Aquela tubulação certamente leva até a cozinha.

-Você está sugerindo que alguém entre ali? - Perguntou Miguel inconfortável com a situação com a ideia de entrar naquele grande túnel - Quem caberia lá dentro? É muito estreito.

A tubulação que levaria a outra sala realmente era bem pequena e por um momento todos se olharam, medindo e calculando com a mente, quem poderia ser. Até que todos pararam e olharam para a mesma pessoa. Florence era baixa e esguia o que fazia com que ela parecesse uma criança em alguns casos, suas feições a deixaram ainda mais parecidas com uma bonequinha de porcelana, afinal era extremamente difícil encontrar uma legítima ruiva de olhos verdes como o mar cáspio, ainda mais no Brasil. Todos olhavam-na e mediam seu corpo com os olhos para tentar certeza de que ela caberia lá dentro, então resolveu falar:

-Eu não posso ir! Olhem para mim, sou fraca de mais para conseguir abrir a porta pelo lado de fora.

-Você não precisa nos ajudar primeiro, vá buscar ajuda - Alex era o exemplo de garoto atlético que cada sala tem, sempre estava inserido em algum grupo desportista e era um exímio jogador e futebol, ele chegou de Minas Gerais ainda garoto naquela cidade onde sua família se estabeleceu - Talvez encontre algum dos professores ou outros alunos que possam nos ajudar a sair.

Florence ainda se sentia desconfortável com aquela ideia, mas quando viu os alunos da classe abrindo a grade de proteção viu que não tinha escolha, então teve certeza que deveria fazer isso para ajudar a todos que contavam com ela, eles ergueram-na e ela se manteve firmemente segura na tubulação até ter certeza que conseguiria se alavancar para entrar lá dentro. Ela não era corajosa como Amanda, nem forte como Alex ou inteligente como Dan, mas era a única que poderia ajudar naquela hora de desespero dos colegas que permaneciam todos apreensivos por ela.

-Flô, não demore, estaremos todos aguardando, quando chegar no fim da tubulação empurre a proteção e vá. Tome cuidado você é nossa única esperança no momento, que Deus te ajude - Disse Clarisse uma de suas amigas mais próximas na sala.

Ela adentou o estreito túnel de aço que ligava o freezer até a cozinha e quando chegou ao final pressionou a grade até que ela se desprendeu e caiu na neve que estava cobrindo todo o chão da cozinha, quando resolveu descer caiu como uma fruta podre de uma árvore no chão, por sorte a neve aparou bem sua queda e ela quase não sentiu dor alguma na queda. Quando se levantou começou a perceber o caos que havia se instalado naquela escola, na medida em que caminhava para fora da cozinha seus pés afundavam cada vez mais na neve e faziam-na se esforçar cada vez mais para poder andar. Ao sair da cozinha viu a catástrofe e começou a encher os olhos de lágrimas, a escola estava praticamente enterrada em seus destroços e em neve.

Ela voltou até a tubulação e falou que voltaria logo, porém não conseguiu escutar direito as respostas dos colegas, andou de novo para fora da cozinha e começou a vasculhar as salas que haviam lá perto, sem nenhum sucesso. Todos os cantos para que ela olhava só deixavam-na mais apreensiva, as salas de aula quase não tinham mais portas e janelas, as salas dos professores ainda possuíam porta por ficarem mais afastadas mas as janelas estavam totalmente estilhaçadas e foi aí que ela lembrou do enorme grupo de alunos que foi se abrigar no auditório. Ela esfregou as mão e apertou mais o agasalho que já estava quase perdendo o calor do corpo dela e foi.

A neve parecia aumentar cada vez mais a cada passo que ela dava em direção ao auditório que ficava do outro lado da escola, suas mãos ficaram escondidas por baixo das axilas para evitar congelar os dedos e sua roupa de frio parecia não ter tanta utilidade naquele campo de gelo, ela andou e andou e por mais que andasse parecia nunca chegar lá, uma pequena rajada de vento a empurrou para trás e fez com que caísse de bunda na neve, aquilo a fez chorar por mais que parecesse algo banal o desespero de não ter como ajudar os amigos ou pior o de não haver ninguém ali a faziam querer ir embora sem saber para onde, mas ao lembrar dos que ficaram ela juntou as forças e prosseguiu.

Quando ela finalmente chegou ao auditório não sabia o que fazer, olhou para a grande porta de madeira e viu que não podia com ela, tentou empurra-la mas tudo o que conseguiu foi deslizar um pouco de neve para trás com os pés. Depois de ver que aquilo não era o que abriria a porta desistiu e rodeou o auditório até que encontrou as janelas, então subiu em uma caixa que antes poderia ter sido um transformador que levava energia até aquela grande sala. Quando espiou dentro da sala quase caiu para trás de tanto medo, ficou tonta e sentiu as entranhas remoendo dentro da barriga, sentiu que podia vomitar a qualquer momento, seus amigos e colegas estavam todos caídos no chão, alguns dilacerados com cacos de vidro no corpo e alguns somente cobertos de neve. Ela olhou procurando alguém mas não viu nada que parecesse ter vida, então começou a descer, porém antes de descer de lá pediu desculpas e disse que um dia voltaria para enterrá-los.

Aquilo tudo parecia um grande sonho na cabeça do professor Jonathan, primeiro a grande ventania que invadiu a sala e depois alunos morrendo e caindo de frio, lembrou-se também do atropelamento que sofrera e montou tudo na mente como se fosse um sonho, quem dera sua interpretação fosse verdadeira, ele estava com os olhos inertes olhando para cima quando acordou do sono gelado, estava com muito frio e não sabia o por quê de ainda estar vivo, já que a grande maioria dos alunos já havia morrido naquela altura do campeonato, escutava o vento ao longe e um estranho arrastar de pés pela neve, achou que estava louco, e então o barulho parou quando pareceu estar bem próximo, depois de um tempo pensou ter escutado alguém tocar na porta, mas sua consciência não estava muito bem organizada então pensou que fossem alucinações causadas pelo frio ou a falta de circulação do sangue na cabeça por causa do frio e dos corpos pilhados em cima dele.

Fechou os olhos e chorou baixinho naquela sala congelada, sem se importar se um dos alunos que ainda podiam estar vivos iriam escutá-lo ou não, chorou até poder abrir os olhos e ver que não haviam lágrimas em sua face, pois já havia chorado outras tantas vezes durante a noite enquanto os alunos gritavam por socorro, por fim quando abriu os olhos viu o semblante de alguém na janela em um ato de desespero tentou gritar, mas apenas nuvens de vapor saiam de sua boca, tentou por várias vezes até que soltou um gruindo bem baixinho que só foi capaz de chamar a atenção de uma de suas alunas que havia sobrevivido, apesar de estar em uma parte bem crítica, ela o olhou e começou a arfar sem deixar de olhar pro professor, arfou e gerou nuvens de vapor até que de súbito gritou, gritou tão profundamente e estridentemente que o professor sentiu como se aquilo atravessasse seu coração mais cortante do que o frio que havia sentido na noite passada, sentiu o ódio e o horror daquela garota sendo exaurido a cada segundo durante seu grito, e depois do grande grito a garota ficou parada, inerte, congelada olhando para o professor com seus grandes olhos vidrados nele. A ultima coisa que ele se lembrou foi de um lágrima escorrendo o rosto da pobre garota e derretendo a neve com o seu calor e seu sal, então ele agradeceu a ela com um breve aceno da cabeça, mesmo sabendo que ela já não mais poderia ver, ouvir ou falar nada... nunca mais.

CRYO - Volume 1 - Nova Era #Wattys2017Where stories live. Discover now