Inverno de 96

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      "Se há outra forma de começar, a não ser pelas desculpas, por favor, me ensine! E se não houver: me perdoe. Mas saiba, eu nunca esqueci. Juro-te que o passar das estações foi rápido, e mesmo que nossos dias tenham sido congelados naquele inverno de 96, não houve nenhum outro em que não me lembrei de você. Eu sei que arquivei nossos sonhos, da mesma forma que sei que você arranjou-se com outro alguém. E nós dois sabemos, amor, não existem culpados. Te escrevi em segredo centenas de vezes, eternizei seu cheiro, sorriso, saliva, amor e desprezo, tudo. Mas não havia nenhum número, e tampouco endereço. O silêncio que nos abrigou durante os anos mostrou-me que poderíamos ser partes da mesma moeda, e você sabe, mesmo que sejam seladas no eterno, elas nunca se encontram. Mas você também sabe, eu sou o lado teimoso da nossa moeda, eu jamais desisti. E portanto cá estou, lhe escrevendo, daqui para algum lugar no mapa, não importa onde você esteja. Faço isso pois já é primavera, e no primeiro parecer do Sol, nossos dias sairão daquele inverno, e o amor que guardei comigo, poderá florir outra vez." 
        Estava feito, em poucos meses o livro seria publicado. Sendo, o estranho, seu gosto peculiar, essa seria a forma perfeita de lhe enviar a carta que tanto hesitou em escrever. Ela deitou-se e esperou. 
       Primavera do novo milênio, tudo parecia tão novo e fresco. Ele observou o céu e sorriu, por algum motivo desconhecido, encontrava-se feliz. Resolveu atravessar a rua, afinal, estava desocupado naquela manhã antes do expediente de trabalho. Olhou à sua frente e sentiu seu coração disparar. Era tão parecida. Aquele riso tímido congelado por duas pequenas esferas profundas nas bochechas, emoldurado por aquele cabelo que, ele acreditava, só combinava com ela. Aproximou-se, meio cego, meio aflito, totalmente ao meio, pois mesmo arranjando-se com outro alguém, apenas ela o completava. Mas não, não era ela. Pela milésima vez, não era ela. 
       Acostumado com os arrepios, ele prosseguiu. Uma fachada lhe chama a atenção. Quatro anos passeando por ali e jamais a notou, tão miúda entre os prédios, uma simpática livraria o convidava para entrar. Entrou, não sabia por onde começar. Olhou as capas, e os títulos. Somente as capas e os malditos títulos. Andou por quase toda a livraria. Não, ele não leu os autores. Não olhou para trás. Ele nem sequer imaginou. Nenhum passarinho verde pousou, o livro não se mexeu sozinho, ele não sentiu cólicas cardíacas que o fizessem intuir, absolutamente, nada. Resolveu ir-se embora, a hora se passou, ele precisava ocupar-se no trabalho. Na saída, parou. Sentiu cócegas, sentiu borboletas raras no estômago, daquelas que só estiveram em temporada no inverno. No inverno de 96. Ele sorriu e pensou: "É, talvez eu volte amanhã."

Crônicas que deram errado e a vida como ela éWhere stories live. Discover now