Helena e Cecília

139 31 13
                                    

         Acordou incomodada por um raio de sol intruso em seu rosto. As persianas brancas mal protegiam o quarto da luz, e os lençóis, mais brancos ainda, o refletiam com maestria. Sentou-se e respirou fundo, pouco era o que tinha para se fazer num quarto de hotel barato. 
         Enrolou um pouco e verificou se ninguém roubara o carro cor-de-burro-quando-foge que deixara à beira da estrada. Ainda estava lá. Tudo em sua vida estava no mesmo lugar de sempre, e isso a admirava. Pois para ela, a fuga seria dramática e cheia de contratempos – não a do burro de cor duvidosa, não! Mas sim, a sua. A fuga de Helena. 
         Era fato que quase todos estavam à sua procura, menos sua mãe. Ela foi cuidadosa em avisá-la que não haveria de se casar, mudou de ideia e mudaria de vida. Helena também não haveria de esperar os cabelos ruivos tornarem-se brancos para se arrepender, se arriscar. Pois bem, noite passada pegou sua caranga e caiu na estrada. 
         O céu, um lindo azul, e a brisa com cheiro de maré já se fazia presente. Faltava pouco para chegar na casa de praia. Mergulhou suas mãos na água límpida e molhou o rosto. Viu a aliança de noivado no dedo. Um aperto no peito, ela, talvez por um momento, sentiu a dor do noivo abandonado. Fechou os olhos e arrancou a jóia, largou na beirada da banheira, convicta de que certamente seria mais útil para outro alguém. E não mais a ela. 
         Deu partida em seu carro, ajeitou os óculos redondos e prosseguiu viagem. Não, ela não teve dó, simplesmente se foi. Haja dó de Helena! O conheceu ainda mocinho, prestes a entrar no ensino médio. Depois disso, nunca mais desgrudaram. Ela o amou, mas amores se desfazem, se tornam miúdos e não mais fazem cócegas nos corações. Dito e feito. Anos de noivado, resolveu partir. 
         E pobre do noivo, que para ele, a história de amor teria dado errado. E talvez um dia escrevesse um livro sobre isso, ou só uma crônica, quem sabe. Mas para Helena, final feliz. Sempre há dois lados da mesma moeda. "Droga!". Final quase feliz, não fosse por uma ruiva a empurrar seu carro de cor estranha estrada afora. Conseguiu chegar, despenteada e não muito cheirosa, até um posto de gasolina de aparência desértica. Do outro lado da estrada, um barranco que levava ao mar. Era ali, ou era ali. De repente, uma santa ajuda lhe cruza a porta da loja de conveniência. Era ali mesmo. 
        Era estranho, nunca passou por isso na vida. Percebeu a aproximação gentil e pediu ajuda, aos gaguejos, mas pediu. Esperou alguns minutos e o problema estava resolvido. Caminhou até a santa ajuda para agradecê-la. "Obrigada, é..." - Existem muitos nomes para chutar, Helena, portanto, não ouse! "Cecília. E de nada, cuide-se". E ela abriu um sorriso, o sorriso de Cecília era lindo. Helena o admirou a ponto de não mais esbravejar por ter empurrado o carro na estrada. Olharam-se por alguns longos segundos. 
          Sentou-se no banco do carro, bateu a porta. Não demorou muito e sorriu de volta, olhando pelo retrovisor. Reza a lenda que alguns raros amores acontecem ao acaso. E duram. Mas por ora, Helena apenas partiu. 
          Calma, Helena mudará a cor do carro. E sim, ela voltará amanhã.

Crônicas que deram errado e a vida como ela éUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum