14 - O coração era apenas um

1.9K 242 151
                                    

"O coração manda em todo mundo, e só quem não tem juízo obedece"

(A Poesia dos Desafetos, página 78)

Princesa Miúcha não estava online.

Ser Rei tinha perdido a graça desde que sua princesa não dava mais as caras no reino. Poderia reunir um clã e embarcar numa missão suicida qualquer, conquistar um novo continente ou apenas passear com os dragões marinhos, mas não sentia vontade de fazer nada disso. Batalha dos Reinos IV poderia ficar sem seu Rei Nipônico por alguns dias.

O conhecimento era uma praga. Quanto mais sabia, mais sabia que não deveria ter ficado sabendo. A ignorância podia ser uma benção. O dia seguinte seria mais um dia de angústia, dilemas e outras coisas dramáticas. Mel iria para a segunda fase do processo seletivo, e tudo o que Arthur faria se resumia em agonia. Se ele não soubesse do Canadá, iria torcer como um louco para ver Mel passar. Mas ele sabia. E isso significava que... Bom, os sentimentos eram muitos, mas o coração era apenas um.

- Veras – Arthur chamou.

- Sim, Sr Arthur?

Veras era incorrigível. Era amigo da família havia anos, mesmo antes de Arthur nascer, mas ainda agia como um assistente recém-contratado. Ele fazia de um tudo para o pai de Arthur, como organizar as contas, ligar para clientes, vigiar a bolsa de valores e, talvez, dar conselhos paternais.

- Se você gostasse muito de uma garota, assim, acima de tudo...

- Parece bem hipotético.

- Se hipoteticamente você gostasse muito de uma garota, acima de tudo, mas ela te trocasse por outra coisa qualquer... O que você faria?

Consultar Veras foi a única opção que sobrou para Arthur. Téo havia sido sugado para outra dimensão chamada Início de Namoro, e não havia a mínima possibilidade de conversar com Mel a respeito dela mesma. Não era muito produtivo ter apenas dois melhores amigos e namorar com um deles.

- Conhece as leis de Nilton?

- Inércia, princípio fundamental da dinâmica e Ação e Reação. O que isso tem a ver?

- Não esse Newton - Veras revirou os olhos. Arthur nem sabia que ele era capaz disso - Nilton, o açougueiro da rua de trás.

- Ah...

- Um homem nobre e sábio. E corta uns bifes como ninguém. Dá conselhos amorosos nas horas vagas, principalmente depois de uns goles de vodka.

- E quais são as leis de... Nilton? – Arthur estava mesmo curioso, apreciava todo tipo de sabedoria.

- Se você não se mexe, a garota também não se mexe. E, se espera uma reação dela ao seu favor, precisa agir em favor dela.

Parecia ridiculamente familiar para Arthur.

- Só isso? Não está faltando nada?

- Não – Veras respondeu.

- Nada envolvendo a força do nosso amor e nossos pesos?

- Não. De onde você tira esses absurdos?

Foi procurar pelo pai em seu império particular. Pelo menos, dentro daquela casa, o Rei do Enlatado era um rei de verdade. A fortuna do império consistia em salsichas, sardinhas e outros alimentos em conserva, mas não deixava de ser uma fortuna. A família Hayashi tinha enriquecido rapidamente nesse ramo, embora Arthur nem tivesse lembrança do tempo em que não tinham tudo o que tinham. Vender enlatados era um negócio de gerações da família. Seu bisavô tinha começado humildemente com isso, seu avô tinha expandido o negócio exponencialmente e, agora, seu pai comandava com mão de ferro o império dos enlatados. Arthur não sentia nenhuma empolgação ao recordar que era o próximo da fila. Mas era bem capaz de estragar com tudo e ser o último Rei dessa monarquia. Até para vender enlatados era preciso ter talento. No mundo virtual, Arthur era um magnata, uma celebridade, era O Cara... No mundo real, as coisas eram um pouco diferentes.

Não Somos UmWhere stories live. Discover now