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rita

Parei em frente da porta do quarto de hóspedes, sem saber se era mesmo boa ideia ir falar com o Brad.
Tens mesmo de falar com ele, atirou o meu subconsciente.
E ele tinha razão. Eu precisava de falar com ele, precisava de saber o que realmente se passava com ele.
Respirei fundo e bati à porta, ouvindo de seguida um entre.

- Como é que estás? – perguntei assim que entrei.

- Bem – respondeu ele em voz baixa.

Aproximei-me da cama e sentei-me ao pé dele. Brad compôs a almofada e ergueu um pouco o tronco.

- Achas que podemos falar?

Ele assentiu e observou-me com atenção, à espera que eu começasse a falar.
Sem saber como abordar o assunto, optei por ser direta.

- O que é que te aconteceu? – foi a melhor pergunta que eu encontrei.

- Fui baleado – respondeu, demasiado óbvio – Acho que dá para perceber.

- Não sejas parvo, que foste baleado já eu sei – refilei – Por que é que foste baleado?

- Cenas minhas, não interessa saberes – foi a resposta.

Eu já sabia que ia ser difícil arrancar-lhe a verdade, e quando decidi ir falar com ele não esperava que ele fosse ceder à primeira tentativa.
Depois de alguns segundos de silêncio, decidi tentar de outra maneira.

- Sei que escondes alguma coisa – comentei, fazendo-o erguer uma sobrancelha, duvidoso.

- Toda a gente esconde alguma coisa – respondeu, com um tom desafiante.

Suspirei. Definitivamente não ia ser fácil fazê-lo falar.

- Tens consciência de que levar um tiro é algo muito grave? – perguntei, à qual ele assentiu afirmativamente – Nós estamos a ajudar-te e no mínimo merecemos saber o que aconteceu.

- O que aconteceu não é assim tão deslumbrante que mereça a pena ser contado – disse, observando o teto.

- Por muito que aches isso insignificante, é a única maneira de nos agradeceres o que estamos a fazer por ti. Nós não chamámos a polícia nem te levámos ao hospital, fizemos-te a vontade. No mínimo contavas-nos o que te aconteceu. Não é uma questão de ser ou não relevante, mas apenas merecemos saber.

- Não sou obrigado a contar-vos. Vocês ajudaram-me porque quiseram, fizeram-me o favor de não chamarem ninguém porque quiseram. Não vos obriguei a nada – disse ele, olhando-me nos olhos.

- Ingrato – acabei por dizer sem pensar, arrependendo-me logo a seguir.

- Podes ter a certeza que não sou ingrato – refilou – Estou-vos mesmo muito agradecido pelo que fizeram por mim, nunca saberei como vos agradecer!

Agora sim, começava a perceber como fazê-lo contar a verdade. E, aproveitando aquilo que ele disse, tentei provocá-lo ainda mais.

- Tu falas como se não tivesses nada – olhei-o bem nos olhos, firme – Falas como se estivesses sozinho no mundo e não tivesses nada nem ninguém...

A expressão do Brad mudou instantaneamente, mostrando-se irritado com o que eu disse mas ao mesmo tempo sensível, como se eu lhe tivesse tocado no ponto fraco dele.

- Tu não sabes do que falas.

- Ah não? – perguntei logo, tentando-me mostrar bruta, em tom desafiante – Vais-me dizer que estou errada?

Brad tentou controlar-se, mas como eu continuei a provocá-lo, ele acabou por rebentar.

- Tu é que não sabes o que é não ter nada nem ninguém! Não sabes o que é viver num bairro social, ter um pai alcoólico que bate na mulher e no filho! Não sabes o que é não ter onde dormir e andar sempre rodeado de más companhias!

E aí eu fiquei sem saber o que dizer ou como reagir.
Brad acabava de contar praticamente tudo sobre a sua vida e apanhara-me desprevenida. Eu não sabia o que dizer, estava em choque.

- Como deves calcular, é normal que eu não goste de falar de mim ou da minha vida – disse ele, agora com uma voz calma e apagada – A minha vida não é a melhor.

- Mas... - tentei dizer mas ele interrompeu-me.

- Eu não tenho absolutamente nada. O meu pai gasta o dinheiro todo em álcool, a minha mãe vive na miséria, numa casa a cair, e ainda sofre de violência doméstica – explicou – Já tentei fugir com a minha mãe, mas o meu pai apanhou-nos e bateu-nos...

Senti uma lágrima a cair pelo meu rosto à medida que ele contava a sua história.

- As únicas coisas que eu tenho consegui-as por dois motivos: ou as roubei, ou comprei-as com o dinheiro das drogas – continuou – E que fique bem esclarecido que eu não me drogo. Apenas sirvo de intermediário. Eu vendo a droga porque foi a única maneira que arranjei de ganhar dinheiro.

Fez uma pausa e suspirou, limpando as lágrimas.
Eu não conseguia desviar o meu olhar dos seus olhos. Estava demasiado presa a ele e à sua história.

- Também já roubei dinheiro. Mas não para maus vícios. Todo o dinheiro que consigo arranjar guardo para um dia conseguir mudar a minha vida e poder ajudar a minha mãe. E não me interessa se é dinheiro sujo ou não, quando se vive numa situação como esta dinheiro é dinheiro e não interessa de onde vem.

- E o teu pai? – perguntei com a voz tremida.

- Eu tenho nojo do meu pai... - respondeu, com uma voz carregada de ódio – O que eu mais quero é conseguir denunciá-lo. Sei que ele é meu pai, mas eu não lhe perdo-o tudo o que ele já fez à minha mãe e a mim...

Pousei a minha mão em cima da mão dele, num gesto de apoio.
A opinião que eu tinha sobre ele mudou drasticamente em poucos segundos, pois comecei a perceber as suas atitudes, apesar de não concordar com a maioria delas.

- Quando o Freddy me expulsou cá de casa, eu passei-me porque eu sentia-me seguro aqui... - disse ele, olhando finalmente para mim – Era um sítio seguro para dormir, tinha comida e condições para tomar banho. Tinha um teto, percebes?

- Mas tu vendias-lhe droga – atirei, sem esquecer o mal que Brad já tinha feito ao meu irmão.

- Eu sei e, mesmo que não acredites, a verdade é que me custava imenso fazê-lo. Ao início não me importei, mas o Freddy começou a deixar-me ficar cá em casa e isso significou imenso para mim, o Freddy passou a ser o meu melhor amigo, era a única pessoa que me ajudava mesmo sem o saber – explicou – Eu ainda tentei voltar atrás e parar de lhe vender a droga, mas ele queria comprá-la e eu precisava bué do dinheiro...

Engoli em seco, angustiada com aquela situação e arrependida de tudo o que pensava dele. No fundo, o Brad era muito boa pessoa e só estava a tentar lutar por uma vida melhor. Não da melhor maneira, mas da única que arranjou.

- Levei um tiro porque a vida nos bairros sociais não é fácil. Houve confusão entre uns gajos lá do bairro...

- E o que é que tinhas a ver com essa confusão? – perguntei.

- Um gajo não me quis pagar a droga e entretanto apareceu um dos gajos mais importantes do bairro, é chefe dum gangue, todos têm medo dele... Ele sabe da minha história e, quando percebeu que o outro não me queria pagar a droga, ameaçou-o mas ele estava armado e acabou por se pôr aos tiros... Fui apanhado no meio e acabei baleado.

- Wow... - suspirei, ainda a digerir tudo aquilo.

freddy

Quando percebi que a Rita ia sair do quarto, apressei-me a descer as escadas sem fazer barulho e fui-me sentar na sala.
Ainda me sentia atordoado com tudo o que acabava de ouvir.
Sim, ouvir atrás das portas é feio, mas não resisti e fui atrás dela.
Agora percebia todas as atitudes do Brad. Ameaçou a minha irmã para que pudesse reaproximar-se de mim; apesar de por interesse, a minha casa era o único sítio onde ele se sentia bem. Não lhe perdoaria o facto de ter metido a minha irmã ao barulho e ter andado a ameaçá-la, mas agora conseguia perceber o porquê de o ter feito.
Sentia-me mal por tê-lo expulsado cá de casa e por não o ter ajudado quando o vi aparecer aqui baleado.
Devia-lhe um pedido de desculpa.

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