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rita

Dei um passo em frente. E chamei-o baixinho.
Freddy virou-se lentamente, apanhado de surpresa pois pensava que estava sozinho.
Quando me viu não disse nada, deixando-se ficar no mesmo sítio.

- O que é que fazes aqui? – perguntou ele com uma voz trémula.

- O mesmo que tu – respondi.

Ele levantou-se, olhou uma última vez para a campa e preparava-se para ir embora.

- Não precisas de ir embora por minha causa.

Freddy parou assim que eu falei e virou-se para mim, observando-me com atenção.

- Não vou embora por tua causa.

- Então por que é que não ficas?

- Porque tenho mais que fazer do que estar aqui a participar em cenas lamechas – respondeu de forma bruta – Não tens mais nada que fazer do que chatear-me? Não tens que te preocupar com os teus tios e primos lindos e maravilhosos?

Eu não sabia o que lhe dizer.
Desde que nos separámos que ele se tornara tão frio e bruto comigo. Sabia que ele nunca me iria perdoar por não ter ficado com ele, mas também não podia deixar que a nossa relação continuasse assim. Eu sabia que ele precisava de mim, e eu também precisa muito dele.
Freddy, ao ver que eu não dizia nada, suspirou e recomeçou a caminhar para fora do cemitério.

- Eu sei que isto te afeta mais do que aquilo que tu mostras – disse, num tom de voz alto o suficiente para que ele parasse e me olhasse com um olhar sombrio.

- Não sabes do que estás a falar!

- Não precisas de me mentir, eu sou tua irmã e conheço-te o suficiente para saber o quanto estás a sofrer...

Em poucos passos, ele chegou novamente ao pé de mim e olhava-me com desprezo.

- Eu não preciso da tua preocupação. Se isto me está a afetar só a mim me diz respeito.

- Estás enganado – disse-lhe, prendendo o meu olhar ao dele – Estamos os dois a passar pela mesma situação e devíamos estar a apoiar-nos um ao outro.

- Mas foste tu que decidiste fingir que nada se passava e ir morar com outras pessoas! – acusou-me, com o ódio a transbordar pelos olhos.

- Eles são a única família que temos – disse – Eles também quiseram ajudar-te, mas tu não quiseste! Foste tu que não quiseste saber de mim!

- Isso é mentira! Eu disse-te para vires viver comigo!

- Contigo e com os teus amiguinhos nojentos! – acabei por explodir – Que raio de irmão é que quer que a irmã mais nova se dê com aquele tipo de gente?!

- Estás a falar dos meus amigos! – gritou.

- Teus amigos?! Achas mesmo que eles são teus amigos?! Foram eles que te levaram por maus caminhos, tu neste momento és tão nojento como eles! Como é que tu querias que eu fosse viver contigo sabendo que tu andas metido nas drogas?!

Assim que disse aquilo senti um enorme aperto no peito. Dizer aquelas coisas horríveis ao meu irmão foi das coisas mais difíceis que fiz em toda a minha vida. Ver nos seus olhos a dor que as minhas palavras lhe provocavam fez-me sentir a pior pessoa do mundo...

- Tu não percebes nada – disse ele, tentando mostrar-se calmo – Tu nunca vais perceber. Aliás, tu nunca quiseste perceber-me. Foi por isso que me deixaste!

- Eu deixei-te porque não quiseste encarar a realidade e preferiste esquecer tudo – corrigi – Tu preferiste afogar as mágoas na merda das drogas e do alcoól e das festas em vez de fazeres o que era correto.

- Se tu tivesses ficado comigo talvez eu não andasse metido nas drogas com más companhias.

- Estás a culpar-me pela pessoa nojenta em que te tornaste?! – exclamei, sem conseguir acreditar no que ele acabava de dizer.

- Pensa o que quiseres. Tu preferiste deixar-me para ires viver com os teus tios queridinhos e eu nunca te vou perdoar por isso – disse ele, fazendo-me chegar ao meu limite.

Eu já não conseguia dizer mais nada, eu já não sabia o que lhe dizer... Já só sentia as lágrimas a caírem pelo meu rosto enquanto os nossos olhares não se desviavam um do outro.
Ele odiava-me. E não havia nada que eu pudesse fazer ou dizer que mudasse isso.

- Esquece que eu existo – acabou por dizer, indo-se embora.

Não consegui mexer-me nem um milímetro. Segundos depois ele já tinha saído do cemitério e eu estava ali, sozinha, junto à campa dos meus pais, sem saber o que fazer.
Caí de joelhos na terra e as minhas lágrimas caíram em cima da pedra de mármore.
O meu olhar caiu sobre as fotografias dos meus pais, que se encontravam lado a lado na lápide de mármore.
Eu não conseguia suportar a morte dos meus pais. Desde aquele acidente de carro que a minha vida toda mudou. A morte dos meus pais fez com que o meu irmão passasse a odiar-me.
Se nada daquilo tivesse acontecido, ainda estaríamos todos juntos e felizes.
O meu irmão não tinha dito nada a esse respeito, mas eu vi nos seus olhos cheios de raiva que ele pensava que, se naquele maldito acidente, eu tivesse morrido em vez dos meus pais, tudo estaria bem. E eu não me sinto nada bem por saber que também estava naquele carro e que fui a única a sobreviver.

[...]

O céu estava pintado em tons de cor-de-rosa e vermelho, marcando a despedida do sol. Algumas estrelas já apareciam espalhadas pelo céu e a Lua já se erguia lá no alto. Os últimos raios solares iluminavam os recantos da cidade.
Rita caminhou em passo lento pela rua, com os olhos pregados ao chão, tentando conter as lágrimas.
E não viu por onde andava.
Embateu em alguém. E finalmente ergueu os olhos.

- Estás bem? – perguntou o Jos, percebendo que a Rita tinha estado a chorar.

Ela só conseguiu afirmar com a cabeça, pois sentiu que, se falasse, não iria conseguir suportar o peso das lágrimas.
Sem estar à espera, Rita viu-se envolvida nos braços do amigo, que a abraçava, compreensivo.

- Quando se vai pela primeira vez ao cemitério ver alguém que perdemos, é sempre demasiado doloroso – murmurou ele, reconfortando-a – Mas foi o melhor que fizeste.

- Eu encontrei lá o meu irmão... - disse ela, quando desfizeram o abraço – Discutimos e dissemos coisas horríveis um ao outro... Ele odeia-me...

Jos passou a sua mão pelo rosto da amiga, limpando-lhe as lágrimas.
Custava-lhe vê-la assim, tão frágil. Só lhe apetecia abraçá-la e nunca mais a largar.

freddy

- Finalmente apareceste! – exclamou o Brad – Onde é que estiveste?

- Deves ter muito a ver com isso – atirei as chaves para cima da mesinha da entrada e fui deitar-me num dos sofás.

A discussão com a minha irmã não me saía da cabeça. Consegui sentir a dor que ela sentia naquele momento, conseguia ver nos seus olhos o quanto ela estava desiludida comigo.
E eu não fazia mais nada a não ser desiludi-la. Tudo o que eu fazia tinha um impacto negativo nela.
Antes dos nossos pais morrerem, eu e a Rita eramos inseparáveis, cúmplices e confidentes um do outro. Para além de irmãos, eramos os melhores amigos.
E eu consegui estragar tudo. Consegui afastá-la de mim, consegui acabar com a nossa relação, consegui fazê-la ter nojo de mim.
Ela tem razão. Eu sou uma pessoa nojenta e covarde que não conseguiu ultrapassar a morte dos pais e que decidiu afogar as mágoas nos maus vícios em vez de tentar seguir em frente junto das pessoas de quem mais gosta.

- Epah, tu não 'tás nada bem – refilou o Tristan, entrando na sala e vendo-me naquele estado – Afinal o que é que te aconteceu?

- Nada! – exclamei e levantei-me, caminhando até ao meu quarto.

Assim que entrei rodei a chave na fechadura, trancando a porta, pois não estava com paciência nenhuma para os aturar.
Deixei-me escorregar até ao chão com as costas apoiadas na porta.
No outro lado do quarto, em cima da secretária, estava uma caixa que me chamou a atenção.
Era a caixa onde eu tinha guardadas todas as memórias dos meus pais e da minha irmã.

destinos trocadosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora