Primeiro Capítulo

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As pequenas peças de mosaico de um castanho claro pouco saturado espelhavam os elegantes movimentos de quem as pisava. Ao som da música, Melanie dançava uma valsa com Carlos, um homem alto e magro, de expressão fria, usando roupas justas. Ambos vestiam preto, mas não se tratavam de trages formais aqueles... Melanie usava um leve e fresco vestido, comprido o suficiente para lhe roçar os tornozêlos, mas deixando a pele clara dos seus ombros a nu. A cada giro ela virava a cara sacudindo os seus cabelos loiros encaracolados. Já ele, olhava-a quase semicerrando os olhos e tocava na sua pele macia como que antitesamente enojado.

Quando a música finalmente cessou, ambos desmancharam suas posturas como se tivessem terminado a sua peça de teatro. Ela soltou risos até!

- Uff! Estou cansada!
- Quase não se impediu de apoiar as mãos nos joelhos. Disfarçou de outra forma.
- Foi uma boa aula Miss. Valentim. O foxtrott fica para a próxima aula...
- Por favor Carlos! Já nos conhecemos há quase um ano e ainda me tratas dessa forma! Melanie, só!
- Perdão, é que não consigo resistir à formalidade perante tanta elegância sua!
- Obrigada! - Corou.

Ambos estavam a ser observados: por entre o gradeamento negro da varanda do piso superior que dava continuidade ao corrimão das escadas, espreitavam uns pequenos olhos azuis, herança da parte materna. Foi o findar da música que a tirou do quarto. Após tantas aulas, ela já compreendia quase com automatismo o funcionamento daquelas aulas de dança. Mas compreendia na verdade bem mais que isso! Andrea Valentim, de apenas dez anos de idade, sabia perfeitamente que a mãe sentia por ele "aquele sentimento carinhoso", mas que embatia no seu professionalismo quase frio, camuflado pela simpatia cortês que a conquistava.

Andrea atravessou o corredor com as suas leves passadas descalças e passou pela porta de madeira com puxador de bronze que deixara entreaberta. Regressou assim ao seu quarto ainda antes deles se despedirem, fechando a porta silênciosamente, para que ninguém a ouvisse lá em baixo. Sem se preocupar com o amarrotar do seu casual vestído violeta ou com o acolchoado edredão prateado que cobria toda a cama e escondia até mesmo o mosaico cor de cortiça debaixo da mesma, jogou-se para cima da cama, rolando até amassar os seus cabelos ondulados, castanhos, entre a cabeça e as almofadas riscadas de vermelho e cinza escuro. Olhou através das finas pestanas para a porta que acabara de fechar, à sua direita, ao fundo do seu amplo quarto de paredes cinza, claras como o teto da mesma cor.

Naquele momento, ignorou todas as suas bonecas de porcelana que a olhavam do cimo da mobília que se seguia à porta e ficou apenas rolando um indicador sobre o outro em silêncio... A sua memória recordava-a de um excerto de uma conversa passada:
«- Porque é que eu não tenho um pai, mamã?»
«- Oh... Querida...» Recordava-se perfeitamente da expressão sentida da sua mãe ao agachar-se para se colocar à sua altura. «- ...Já tiveste... mas o teu pai "partiu" ainda antes de teres nascido.»

PorcelainHearth: Coração de PorcelanaWhere stories live. Discover now