- Dorminhoco, acordou finalmente. – Ela brincou e eu sorri.

- Estava bastante cansado. Você já almoçou? – Perguntei, pronto para levantar e colocar comida para ela também caso ela não tivesse.

- Já. – Ela suspirou se preparando para me contar alguma coisa. A encarei com uma expressão de questionamento. – Eu estava na casa do Sérgio. Como quem não quer nada, fui lá ver o que tinha rolado entre a Isadora e ele.

- Fofoqueira!!! – Acusei e ri. – O que aconteceu? – Perguntei rápido demais ao que ela me olhou cínica.

- Quem é o fofoqueiro agora? – Rolei os olhos rindo e esperei. – Ela está de castigo.

- O quê? – Arregalei os olhos. – Por que?

- Porque foi dormir na casa da amiga sem pedir para ele antes. E por ter abusado da sua boa vontade ao pedir para passar na casa da amiga. Ele disse que se era para elas dormirem juntas, que tivessem ido para a casa deles, onde você já tinha planos de ir e não te desviar do caminho para a casa da Bia.

- Bem feito. – De uma certa forma, eu estava um pouco vingado. – Mas ele é meio protetor demais, não acha não?

- Talvez. – Ela respondeu incerta. – Nunca fui mãe de menina. E você nunca me deu trabalho. – Sorri convencido, levando um tapinha no braço. – Normalmente eu tenho que insistir para você sair, não para ficar em casa. – Rimos juntos.

- Verdade. E ela? Como reagiu ao castigo? - Não sei porque perguntei aquilo, pouco me importava, o que eu queria saber mesmo era se ela tinha tido a decência de pedir desculpas para minha mãe sobre ter saído correndo daquele jeito. Já nem esperava que ela um dia me agradecesse por ter ajudado.

- Ele disse que ela reclamou um pouco, mas que provavelmente estava arrasada porque desde que eles haviam conversado quando ela chegou, estava trancada no quarto chorando.

- Nossa, qual foi o castigo afinal?

- Ela não vai mais poder sair de noite até segunda ordem.

- Meio radical, né? – Comentei e ela concordou. – Mas não é como se ela saísse muito antes pelo visto.

- Exato. Mas eu não acho que ela estivesse chorando por isso. Eu me intrometi um pouco. Fui até o quarto dela conversar, tentar entender porque ela tinha fugido daqui. Ela me pediu desculpas, disse que havia ficado com vergonha mesmo. E que não se importava muito de não poder sair mais, porque agora ela só queria ficar trancada no quarto até a ressaca passar e que talvez nem pudesse ir à escola amanhã ou a semana toda. – Minha mãe riu. – Expliquei que naquele momento a ressaca parecia que não ia mesmo passar, mas que não duraria a semana toda. Acho que ela se arrependeu de ter bebido demais.

Eu não me gabava por ser um profundo conhecedor de mentes femininas, nem de longe. Mas eu tinha certeza que o choro dela e o que ela estava dizendo para minha mãe tinham nome. Ricardo. Revirei os olhos pensando no quanto meninas podem ser patéticas. Era fato que ela ficaria remoendo aquela estória pelos próximos meses, chorando pelos cantos e evitando o cara na escola. Quer dizer, evitar ela tinha que evitar mesmo, o cara era um babaca. Mas ela o faria sofrendo e deixando o infeliz ver que tinha arrasado com ela. Que idiota.

Passei o dia vegetando no sofá com minha mãe, vendo filmes e depois zapeando os canais sem realmente parar em nada. A programação da TV aberta aos domingos era de chorar e ao invés de a TV por assinatura compensar, eles colocavam programas tão ruins quanto, fazendo você se perguntar para que assinar e pagar por aquela porcaria afinal. Acabei indo dormir cedo porque não tinha nada para fazer e ainda estava um pouco cansado. Eu não estava mesmo acostumado a sair e minha mãe ficou me chamando de velho. Acho que eu era mesmo. Completamente sem pique.

Uns dois finais de semana depois eu estava na praia, após minha aula de vôlei e quando cheguei no quiosque para pegar meu coco, vi uma menina conhecida no quiosque adjacente comprando uma água. Ela não me viu, mas eu reconheci como sendo a Bia. Será que a Isadora estava ali também? Hum... Acompanhei com os olhos a garota se afastando e ia começar a segui-la devagar quando o Zé do coco falou comigo.

- Gostosa, né? – Fiz uma careta para ele. – Precisa ver a outra que está com ela, elas estão juntas ali mais à frente. A amiga veio comprar uma água de coco antes comigo. Te juro, poucas vezes na vida vi uma garota tão gostosa quanto aquela, morena de cabelos cacheados, pele branquinha, hum. – Fiz uma careta maior ainda, ficando com nojo. Ele era muito mais velho, devia ter uns sessenta anos e ele estava falando de duas garotas que mal tinham acabado de virar maiores de idade, não que ele soubesse disso, mas mesmo assim. Eram garotas, não um pedaço de picanha. Disfarcei minha antipatia, porque no geral eu o achava maneiro. Tinha quase certeza que pela descrição, era exatamente Isadora que estava com a Bia. – Seu coco, patrão? – Ele perguntou retoricamente, já pegando um dentro do isopor. Mas eu neguei.

- Não, dessa vez eu quero uma água, a mais gelada que você tiver. – Sorri de lado, deixando o meu lado perverso me dominar. Ele nunca saía para brincar e para ser sincero, eu mal sabia que ele existia. Até aquele momento.

Peguei a água e segui pela areia, na direção que ele tinha dito que elas estavam. Não foi difícil encontrar, visto que pelo menos uns quatro caras que passavam olhavam diretamente para onde elas estavam e haviam uns outros sentados na direção delas, sem sequer disfarçar. Elas estavam completamente alheias a tudo isso, viradas de bruços se bronzeando. Ignorei a voz na minha cabeça que estava concordando totalmente com o Zé do coco e os demais caras ao redor ao me aproximar delas devagar. A cabeça delas estava virada para o mar, na direção contrária de onde eu vinha, que era a calçada, então elas não tinham como me ver. Parei exatamente em cima da Isadora, com os caras me observando intrigados. Quando eles me viram abrir a garrafinha de água, eu sorri de lado e eles me olharam espantados. Não sei se pensaram em me impedir. Mas quando eu derramei toda a água gelada nas costas dela e na cabeça, eu meio que entendi porque eles não tinham me impedido. Eu estava tão concentrado em fazer aquela maldade com ela, que não tinha reparado que ela estava com a parte superior do biquíni desamarrada e que ao levantar em um pulo assustada e xingando a água gelada, ela também havia esquecido. Cobriu rapidamente, tentando disfarçar o desespero e eu joguei a minha blusa que estava pendurada na minha bermuda em cima dela. Na mesma hora ela se cobriu, segurando a blusa na frente do corpo e me olhando com a maior cara de raiva que eu já havia visto na vida. Eu estava ficando acostumado com aquilo. E em nenhum momento, ela parou de me xingar. Bia estava sentada na canga, amarrando o próprio biquini, olhando para cima, tentando entender o que estava acontecendo.

- Epa, minha mãe não xinga não. – Falei, tentando não rir da cara dela. – Você gosta dela.

- Seu imbecil. – Com uma mão ela ainda segurava a minha blusa na frente do corpo e com a outra ela tentava me socar. – Você é um idiota, por que você fez isso?

- Porque talvez você estivesse precisando de uma água gelada para curar uma bebedeira, não sei. – Respondi irônico, enquanto assistia a amiga dela levantar para amarrar o biquíni dela novamente. Ela jogou a minha blusa de volta na minha cara e bufou. – Devolve mesmo minha blusa, antes que você vomite em cima dela.

- Argh. – Agora que ela estava com as duas mãos livres, voou em cima de mim, tentando me bater. Segurei seus braços para impedi-la. – Qual o seu problema?

- Sabe qual o meu problema? – Perguntei irritado, tentando mantê-la afastada de mim. – Odeio gente mal-agradecida. – Ela revirou os olhos me deixando com mais raiva. – Meu outro problema é você mesmo. – Soltei os braços dela e saí andando na areia, me afastando dali. Não estava me sentindo melhor, pelo contrário. Só tinha ficado com mais raiva.

- Você é ridículo. – Ela gritou. – Te odeio, Rafael.

- Ótimo. – Gritei em resposta, sem me virar. – É recíproco.

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Ele e Ela [Os Dois Lados da História] [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora