Seguir em frente

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Nunca lhe ocorreu em momento algum clamar, implorar por qualquer ato de consolo que fosse ainda que ansiasse por tal. Mas naquele fatídico dia o peso da sua existência somado ao rápido e desnecessário apego por Marcos era tanto que sentiu a necessidade absurda de arranjar quaisquer motivo para um abraço, um afagar de cabelos ou uma carícia no ombro direito seguido da mentirosa afirmação de que a partir dali tudo ficaria bem. E como lia nos livros e via nos filmes, quis imitar os dramas inventados e rumou no fim da tarde para o litoral mais próximo para sentir a areia esfriar seus pés e a brisa gelada vinda do mar esfriar seu rosto rubro e empapado de lágrimas. E não foi solitário, do seu novo apego extraiu o consolo que precisava no momento e que precisou durante anos sem conseguir fixar um que fosse. Sentaram-se na areia lado a lado, Pedro abraçou os joelhos enquanto o outro homem envolvia seu corpo redondo com um dos braços, acariciava seu ombro com os dedos e encostava a face molhada em seu peito magro.

Suas lamentações assemelhavam-se às ondas do mar que partiam e regressavam. Vezes aquecidas pela calmaria, outras pela fúria destrutiva da tempestade. Vezes o faziam bem e por outras mais o causavam vontade estarrecedora de anular qualquer resquício de vida que ainda lhe restava, mas sabia que tinha de viver, entendia o complexo significado do seguir em frente e o peso que causava em seu corpo.

Sete meses atravessaram o tempo e quase tudo possuía a mesma forma. A areia da praia permanecia gelada e escura, o mar indecifrável, o céu nublado com poucos pássaros, os automóveis ainda soltavam fumaça e produziam o mesmo barulho irritante de motor. Tudo atravessava o tempo da mesma forma, menos Pedro com toda a sua inconstância.

- Dessa forma vai ser difícil trazer o antigo Pedro de volta. - Marcos falou após notar as lágrimas insistentes caírem dos olhos do outro e as limpou com o polegar. Um pouco longe dali, crianças gritavam ao brincar na água gelada enquanto a mãe desesperada os alertava sobre uma possível gripe.

- Ele morreu. - Disse mais para si do que para Marcos e encarou o mar agitado.

- Ele pode renascer.

- Está sendo difícil.

- Já faz sete meses, Pe...

- Por favor, não continue. Eu estou cansado de ouvir as mesmas coisas todos os dias. É suportável ouvir das pessoas insignificantes, de você não. - Marcos respirou fundo e mordeu o lábio inferior sem graça com a resposta.

- Desculpe. - Arfou e libertou o corpo de Pedro de seu abraço aconchegante.

- Não faça isso. - Pedro protestou. - Está bom assim. - Marcos retornou a abraçá-lo pelo ombro e não pode evitar um pequeno sorriso no canto dos lábios.

- Deixe para chorar depois da sua formatura. Não quer aparecer nas fotos com os olhos imperceptíveis de tão inchados, não é? - Novamente limpou as lágrimas, dessa vez afastando uma mecha do cabelo negro que caía sobre o rosto.

- Penso tanta coisa no momento que se torna impossível não chorar. - Pedro respirou fundo e olhou para o céu. Marcos o abraçou ainda mais, apertando-o contra seu corpo magro e alto. Acariciava seu pescoço com a ponta dos dedos, brincava com o lóbulo da orelha do outro e daquela maneira consegue fazê-lo sorrir.

- Não quero te ver chorar.

- Você me vê chorar todos dias.

- Não quero mais ver. Quero suas ironias e toda a sua superioridade intelectual. - Pedro Donatto riu e balançou a cabeça.

- Você poderia ser menos exigente, Marcos. - Brincou.

- Que culpa eu tenho se você me faz ter exigências?

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