Fazer valer a pena

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O pesado silêncio tornou o ar rarefeito dentro do veículo esportivo de Gabriel Salazar. Sentado com postura ereta no banco do motorista, o advogado olhava para a rua em sua frente. Uma senhora passeava na calçada esburacada empurrando um carrinho de bebê e era acompanhada por mais duas crianças. Ela murmurava coisas que Gabriel entendia de forma desconexa, sua audição estava prejudicada. Ao seu lado, Pedro também observava a rua em silêncio. Ao contrário de Gabriel, seu corpo estava largado no banco do carona e uma de suas mãos apoiava sua cabeça. Mais silêncio. Nenhum dos homens sabia como se pronunciar a respeito do ocorrido. Pedro estava severamente magoado e Gabriel envergonhado. Gritava por dentro, queria abraçá-lo e enchê-lo de pedidos por perdão. Mas Pedro sabia que a culpa não era dele. Pensava mais na impressão que causou nas crianças depois do momento em que foi posto para fora do local a força do que na situação em si. Elas o achariam mau? Seus responsáveis diriam que Pedro era mau? Em seus vinte e quatro anos de vida, desde que se assumira, nunca havia passado por demonstração de preconceito tão rude. O máximo que enfrentou foram alguns olhares tortos, cochichos, mas ser posto para fora de um local? Isto nunca.

- Pe... - Gabriel recolheu toda a sua coragem e chamou Pedro o olhando fixamente. O moreno nada disse, sequer o olhou. - Pedro, olha pra mim. - Ele respirou fundo e o olhou. Seus olhos começaram a umedecer e Gabriel respirou fundo.

- Me desculpa. Me perdoa. Eu não fazia ideia de que isso poderia acontecer.

- Não foi culpa sua.

- Eu não tenho ideia de como isso aconteceu.

- Eu imagino como. - Gabriel ficou olhando para Pedro esperando que ele continuasse. - Seu pai deve ter descoberto de alguma forma.

- Sobre nós? - Gabi gelou.

- Sobre mim. Talvez Catarina tenha contado, eu a vi de longe. Eu vi os olhos dela. Se não foi essa piranha, eu não sei o que foi, Gabi. Não tinha como alguém saber.

- Tem razão.

- Isto não irá dar certo.

- O que não irá dar certo? - Pedro suspirou irritado porque não sabia se Gabriel estava se fazendo ou sendo realmente burro.

- Nós. Nós não daremos certos. Droga, Gabriel. Você consegue ser mais complicado do que eu. Isto é demais pra mim. Você consegue entender? - Agora Pedro olhava para os olhos de Gabriel fixamente. Ele entendia. - Eu não consigo viver escondido, passando por estas coisas por você, este não sou eu. Você vai se casar, vai... Sei lá mais o que você irá fazer da sua vida depois disso. Mas eu tenho certeza que não faço parte de nenhum dos seus planos.

- Isto não é verdade!

- Não é o que você mostra! Você vive uma coisa comigo, uma coisa completamente diferente da sua realidade. Com a sua noiva e com a sua família você vive outra.

- Ela nem é a minha noiva de verdade...

- Você vai casar com ela. Isso já a torna sua noiva mesmo não sendo de verdade. A dualidade só funcionou no período barroco. Não funciona comigo. Eu não sou dual. Você precisa escolher o caminho que quer para a sua vida, um caminho que você queira e não que queiram para você.

- Pedro...

- Eu não tenho tempo para desculpas. Eu não quero mais desculpas. Isso foi a gota d'água para mim. - Pedro abriu a porta do carro e saiu. Sentia-se humilhado, apaixonado por Gabriel, magoado e tomado por um raiva que fazia seu sangue ferver. Gabriel arregalou os olhos pequenos e também saiu do carro indo atrás de Pedro. O moreno andava apressado mas Pedro conseguiu alcançá-lo. O tomou pelo pulso e o encostou na parede de um prédio. Algumas pessoas passavam mas não paravam para prestar atenção na cena.

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