LIVRO 2 -- CAPÍTULO 5

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Morgana estava trancada havia mais de doze horas. Estaria bem? Arthur não quis incomodá-la antes para não lhe interromper o descanso, mas já não podia conter sua ansiedade. Ora, e o que esperava, afinal? O que iria dizer-lhe? Não podia confessar a paixão que aumentava a cada dia, desde que a conhecera, até explodir naquele beijo que ainda o incendiava.

Era vergonhoso estar tão obcecado por isso quando devia guardar luto pelo amigo morto e pela jovem que acabara de enterrar. Mas a mera lembrança dos lábios de Lady Morgana nos seus punha seu sangue a ferver como se corresse lava em suas veias, e eclipsava qualquer outro sentimento. Bateu na porta algumas vezes, mas ela não atendeu. Dormia ainda. Melhor assim.

Voltou ao próprio quarto e encontrou Lady Guinevere já adormecida no leito. Anoitecera há um bom tempo, e ele também precisava de algum descanso. Desde a véspera, estivera envolvido em providenciar o funeral, enviar comunicados e dar explicações, sempre fazendo um esforço sobre-humano para concentrar-se nessas tarefas, enquanto perdia-se em fantasias românticas. Sentia-se mentalmente exausto! Que bom seria dormir, aliviar o corpo de toda a tensão vivida e calar seus pensamentos! No entanto, o barulho destes repelia o sono.

Lembrava-se de como, a caminho do enterro, de mãos dadas com Lady Morgana, fingia intimamente que ela era a sua rainha, que eram um casal. Mas não eram. Sua verdadeira esposa estava deitada ao lado dele, dormindo, inocente de tudo, e, ao olhá-la, tomou-se de remorso.

Lady Guinevere vinha bastante calada nestes dois últimos dias, o que era compreensível: por mais que ela e Viviane não fossem próximas, a morte de uma pessoa tão jovem abala a sensibilidade, principalmente de alguém frágil como a rainha.

Depois de várias horas de inquietude, desistiu. Levantou-se e se dirigiu até a janela. O dia mal começara a clarear. Ao olhar para baixo, avistou Lady Morgana caminhando no jardim. Não era de se admirar que ela houvesse acordado tão cedo, tendo dormido por tantas horas no dia anterior.

Andava em passadas firmes, diferente da marcha titubeante da véspera, quando parecia à beira de um desmaio. Recobrara a altivez de antes. Arthur observou a esposa. Ainda entregue ao sono, Guinevere não daria por sua falta. Ele dificilmente teria outra oportunidade tão propícia para o encontro a sós que tanto ansiava ter com Lady Morgana. Incerto sobre o que pretendia uma vez que a visse, mas tomado por um impulso irresistível, Arthur saiu no encalço da irmã.

Chegando ao jardim, ele já a havia perdido — ela andava rápido, já se afastara do ponto em que a vira pela janela. Após perscrutar os arredores por alguns segundos, localizou-a, ao longe, numa altura onde a vegetação mais densa e a presença de árvores anciãs indicavam o início dos bosques. Disparou em sua direção, chamando seu nome.

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