CAPÍTULO 2

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"Comecemos, então, Lady Viviane. O que vou vos ensinar é como controlar os elementos da natureza. É isso a que, grosso modo, chamamos 'magia', ou 'verdadeira magia'."

"Devo então pressupor que há uma falsa magia?"

Merlin quase fez um comentário jocoso sobre o quanto era óbvio supor que, havendo uma verdadeira magia, teria que haver uma falsa; mas observando Viviane a fitá-lo com aquele olhar quase de veneração, de quem está pronta a sorver cada sílaba que ele pronunciasse, se deteve. Coitada! Não é que ela houvesse feito alguma pergunta estúpida, ele é que estava de mau humor por se sentir coagido a brincar de escolinha. Por mais que ele houvesse dito o contrário, a verdade inegável era que só estava ali dando aulas por julgar que isso seria menos trabalhoso que ficar justificando a Arthur porque se negara a acatar os caprichos de Morgana, e suportando a insistência enfastiante dele para que atendesse a irmã. Mas Lady Viviane, que não sabia de nada disso, não merecia ser alvo de seu azedume. Deu um suspiro e prosseguiu:

"Sim, a dita 'falsa magia' são as ilusões, ou seja, fazer com que os outros acreditem que você está fazendo magia, quando, na verdade, não está. Talvez seja um bom começo para nossas aulas, por ser mais simples: ensiná-la a conjurar ilusões..."

Estavam sentados frente a frente, a alguns metros para trás do castelo. Viviane, sentada no chão, tinha as costas apoiadas numa árvore. Merlin usava um tronco caído como banco, mas não tinha apoio para as costas. Não tinha muita certeza sobre por que não pedira a Arthur um cômodo qualquer do castelo para aquelas lições. Talvez para não lhes dar um caráter oficial nem lhes conferir uma importância que ele não queria que elas assumissem. Tinha esperança de que não iriam durar, de qualquer forma.

Viviane estava muito comovida em estar ali, tendo aulas com Merlin. Quando pedira a Lady Morgana que lhe ensinasse magia, esperava que ela própria fosse a professora, uma vez que era descendente das fadas por parte de sua mãe, Igraine, e passara bastante tempo na ilha mágica de Avalon — era de lá que se dizia que Arthur mandara buscá-la tão logo soubera de sua existência. Mas Lady Morgana sugerir que ela tivesse aulas com Merlin em pessoa, e ele aceitar a incumbência, fora uma ventura com que ela sequer ousara sonhar, um prêmio pelo qual ainda não demonstrara merecimento.

"...são bem úteis, aliás, as ilusões," ele prosseguia, sem reparar no fluxo de pensamentos de Viviane. E, com um movimento de mão, ele fez com que a barra de seu vestido pegasse fogo. Ela deu um grito e se levantou, apavorada, mas o fogo não estava mais lá.

"Desculpai-me!" Ele parecia muito embaraçado.

O coração dela ainda batia acelerado. Merlin estava constrangido pela própria falta de tato e pela grosseria de seu exemplo, fruto do mau-humor com que viera até ali. Aborrecido, tentou dividir a culpa com a aluna: quão tola ela podia ser, afinal? Se ele estava justamente falando de ilusões, ela não percebia que aquilo era um exemplo, não era fogo verdadeiro? Sem saber o que fazer, estendeu a Viviane uma caneca de água.

Ela agarrou a caneca e bebeu todo o líquido de um gole só, ganhando tempo, evitando falar qualquer coisa. Sentindo que havia feito papel de boba, não queria arriscar-se a falar tolices, piorando sua imagem diante dele. Merlin achou que devia quebrar o silêncio, e mais, que devia uma justificativa a ela — logo ele, que odiava justificativas. Mas, ora essa, que belo professor ele estava se saindo!

"Lady Viviane, eu não pensei que fôsseis acreditar que o fogo era real. Estávamos a falar de ilusões, não estávamos? Eu apenas quis ilustrá-las, e demonstrar o quanto são úteis! Por exemplo, imaginai um exército vindo em nossa direção para nos atacar! Com um aceno, eu poderia fazê-los crer que todo o bosque ao redor do castelo estivesse em chamas. Isso iria afastá-los com um mínimo esforço de minha parte!"

Vale sem RetornoWhere stories live. Discover now