A fila andava

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             Naquela mesma noite, na cabine, enquanto se arrumavam para se juntar aos outros, Celine e Bianca podiam ouvir a música lounge que vinha do andar principal. O som ecoava por todo iate, entrava pelos quartos, sorrateiro e encantador; doce apenas para alguns. Celine sentia um gosto amargo no céu da boca. Estavam se preparando para um jantar especial que serviria para comemorar o primeiro dia de trabalho e proporcionar o entrosamento da equipe de marketing. Como se a tarde toda não tivesse servido a esse propósito, praticamente não fizeram nada além disso, desde que embarcaram! Ela só não podia dizer isto em voz alta, pois com toda certeza ouviria novamente de Bianca o quanto estava rabugenta. Na verdade, nem ela entendia por que estava tão irritada, por que não sentia um décimo sequer daquela euforia que se alastrara pelo iate feito uma praga.

            Sabia, mas não queria ficar rememorando...

             Só de pensar em quantos encontros como aquele ainda teria com o italiano, chegava a ter dor de estômago. Naquela tarde, havia passado mais tempo que o necessário arrumando suas coisas no closet da cabine enquanto todos se divertiam. Apenas quando o fundo vazio da mala apareceu é que ela juntou coragem para sair dali. E isso foi um erro, devia ter ficado no quarto, que era muito agradável. A cabine que dividira com Bianca era bastante ampla, com banheiro privativo e duas camas de casal, no lugar de escotilhas havia uma porta em folha pronta para inundar o quarto de luz e maresia no momento que elas quisessem. Mesmo assim, sentiu que seria estupidez passar toda a tarde ali, afinal, estavam em um iate de luxo e ela, definitivamente, não era nenhuma covarde. Foi então que teve a brilhante ideia de atravessar o corredor e ir até o tombadilho. Outro erro. Deveria ter se juntado aos outros, mesmo que tudo o que quisesse, naquele momento, era ficar a sós para desfrutar da linda Baía de Chesapeak indo dissolver-se lentamente no horizonte. E quando passou pelo convés, que serviria de escritório, não tivera coragem de olhar em torno; seria aflitivo demais ficar imaginando como aquele camarote serviria como espaço de trabalho para ela e para o italiano ao mesmo tampo. Claramente que esse foi outro erro.

           Quando ele apareceu, ela estava tão distraída que quase teve um colapso nervoso. Só de se lembrar do jeito estabanado enquanto tentava se desvencilhar dele; sua completa e total falta de controle...

           - Celine, você deveria usar aquele vestido azul que compramos no sábado.

           Celine ouve Bianca e pisca várias vezes voltando a realidade. Pega a roupa que ela dizia. O vestido era curto e bastante sex, mesmo assim ela o põe rente ao corpo e se analisa no espelho. Sente vontade de rir.

             - Não. O que eu estou vestindo está bom.

             - Tenha dó; calças de pregas e colete florido? Celine, você está parecendo um senhor de meia idade. Eu não sei mais o que faço para torná-la uma garota apresentável.

              - Então não faça nada. -Ela responde e vai à procura das alpargatas de couro que estavam no armário. – Você sabe que esse tipo de roupa não combina comigo, é sex demais. Não adianta, não me sinto à vontade.

                - É sex, não combina comigo.... - Bianca repetia, fazendo troça dela.

               E continuou naquela lamentação por um tempo, Celine não se incomodou, já estava acostumada. Era sempre assim quando estavam se arrumando para sair. Aquelas roupas eram resultado dos anos de convivência das duas. Faziam compras juntas e Celine sempre acabava levando algo que Bianca julgava perfeito para ela. Dizia a si mesma que fazia isso porque não tinha ânimo para as lamúrias da amiga, que cedia por pura preguiça. Mas, no fundo, ela guardava aquelas roupas esperando ter coragem de usá-las um dia desses, um dia que parecia cada vez mais distante. As roupas estavam ali por essa mesma razão, muito pouco pelas insistências de Bianca, um tanto maior por sua própria vontade. Se usasse aquelas roupas, se sentiria mais confiante perto do italiano? Celine se perguntou várias vezes enquanto fazia as malas e mais uma vez ali, enquanto calçava as sandálias. A resposta que lhe ocorreu, tão cheia de firula quanto o vento que refrescava a cabine, foi que não. É claro que não! Isso já tinha sido determinado pelo espelho.

             E também pelo encontro daquela tarde...

              Quando descem para o camarote do primeiro andar, elas encontram o lugar bastante animado. As pessoas se juntavam em pequenos grupos em torno do bar e da impressionante piscina enquanto conversavam e bebericavam drinks coloridos e borbulhantes. Elas vão até o bar pedir uma daquelas bebidas à base de champanhe. O gosto era bom e o teor alcoólico mais do que bem-vindo.

              A piscina era realmente de tirar o fôlego, principalmente durante a noite com todas aquelas luzes saindo do fundo. A água parecia radioativa, quase imaterial. Ela aproveita que Bianca estava distraída com um rapaz alto chamado Carlos para ir até a borda e admirá-la de perto. Com todo aquele acrílico, o efeito em alto mar devia ser o mesmo que ver um grande ponto de luz flutuando no oceano negro. Ela sorve mais um gole da bebida e procura Bianca. Sua amiga estava flertando, sabia apenas pelo modo com que ela balançava os cabelos. Novidade? É claro que não. O problema é que isso a deixava à deriva. E ela precisava de um porto que a mantivesse em segurança, não ia cometer o mesmo erro duas vezes.

               Olha em volta e começa a procurar. Tinha conversado com poucas pessoas naquela tarde e a maioria delas parecia deslumbrada com Dionísio, e de um modo muito irritante. Estava farta de falar sobre o iate, de como era luxuoso, veloz e da impressionante estabilidade. Bem, sobre a estabilidade ela tinha suas dúvidas...

               Não, eu é que não vou ficar pensando nisso... Celine se ordena mentalmente e volta a se concentrar nas pessoas. Samuel e Garate eram da equipe de edição e estavam perto da amurada. Havia conversado com eles, pareciam simpáticos. Os dois já se conheciam, trabalhavam na Harpper já fazia algum tempo, eram casados e não paravam de falar sobre as peripécias dos filhos pequenos. Um grupo fechado e seguro. Celine vai até lá, a conversa gira em torno de vários assuntos, inclusive finanças, do que ela realmente gostava de falar.

                Ela só foi ver Antonio um tempo depois, quando entrou na fila do buffet. O homem alto, de porte atlético, era inconfundível. Nesse momento, foi incapaz de conter a lembrança do encontro que tiveram naquela tarde. Depois do choque, quando ela tomou coragem para desenterrar a cabeça do peito musculoso, o momento em que ela se dá conta do calor que a envolvia, dos pelos escuros roçando sua pele. Uma sensação que a eletrizou até a planta dos pés. Outro flagrante sensorial foi o perfume que vinha dele, o aspirou por pura curiosidade. Nunca havia sentido nada parecido em outro homem. Não daquela forma, com o cheiro invadindo suas narinas, indo derramar aquele calor estranho e inquietante em seu ventre. Mesmo a simples lembrança a deixava meio tonta. Por sorte, Samuel a cutuca e a tira do transe. A fila andava.

                 E pelo jeito andava também para o italiano. Soube ao olhar para ele uma última vez, enquanto se servia da comida. A mulher que estava com ele era ruiva e voluptuosa. O decote cheio balançava sugestivamente e o cabelo, sendo balançado do mesmo modo com que Bianca fazia ao flertar.

               Sim, eles flertavam e pareciam bem íntimos!

               Celine sente o rosto arder de vergonha e raiva. Esteve se preocupando com o interesse do italiano como se fosse ela a escolhida. Era óbvio que Antonio Navarro já tinha uma amante a bordo para seus caprichos narcisistas. E aquela ruiva, diga-se de passagens, combinava muito mais com ele do que ela própria. Era linda, confiante e extremamente sensual, enquanto ela era... bem, ela era o que era e pronto! Bianca estava certa, Antonio Navarro estava fora de seus padrões, não devia se preocupar com ele. O interesse que aquele italiano parecia nutrir por sua pessoa provavelmente não passava de uma simples curiosidade, ou talvez um simples exercício de seus poderes de sedução. Homens como ele flertavam o tempo todo, era um tipo de vício incontrolável.

             Um flerte, um exercício sem consequências. Por pior que isso soasse, devia ao menos tranquilizá-la, não é?

             Celine olha de volta para Antonio apenas para garantir que estava tudo bem e se sente mal consigo mesma, ainda estava magoada. Os dois riam de algo e aquilo lhe pareceu íntimo demais.

              Mas o que eu estou pensando? Esses dois se merecem. Que se refestelem na luxúria de Dionísio. Eu é que não vou perder o apetite por isso!


Nota da autora: E aí, o que achou? Se está curiosa por mais, que tal começar a me seguir? Adoraria sugestões.

O segredo de Celine - Livro 1 da série DionísioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora