Os quatro músicos da banda Buscando deixavam Novo-u-joss às oito horas em ponto da manhã do vigésimo-nono dia de inasi-u-sana. Subiram algumas colinas, passando por outras jirs mais ao norte, e logo chegaram a uma extensa ponte de corvônia por sobre o rio da cidade. Aquele era o Rio Pudro, cuja nascente ficava na Montanha Umejinsel, contornada pela estrada para o Oeste.
Beneditt carregava um conjunto mínimo da bateria, o que já era peso o suficiente para ele. Leila carregava as duas guitarras; a dela e a de Leo. Este, por sua vez, carregava a mala com frutas, verduras e pães compridos, quase roscas de tão secos. Fjor levava seu baixo e uma pequena mala com roupas. Recebiam cumprimentos alegres de trabalhadores das jirs por onde passavam, já que alguns os reconheciam como músicos. Sentiam-se curiosamente apreciados, invadidos por boas sensações de justiça e autoestima.
Com uma decisão de partir tão rápida, motivada por incidentes tão repentinos, eles não sabiam muito o que ou como pensar agora que estavam indo --- a despeito de todas as discussões. Não sabiam que tipo de público os esperava em Jinsel. A esperança variava entre eles.
--- Vamos passar pela floresta Inasi. --- Observou Fjor, olhando no mapa.
--- O que ela tem a ver com Inasi-u-een? --- Perguntou Beneditt.
--- Logo vamos encontrar um rio. --- Respondeu Fjor. --- o Rio Inasi. Nele a estrada se bifurca. Se formos para o norte vamos acabar em Inasi-u-een.
O logo de Fjor demorou a chegar. Depois de horas de paisagens semelhantes e pessoas cada vez menos corteses, o desjejum parecia ter minguado completamente no estômago, e o entusiasmo de aguentar aquele ritmo de caminhada por dias a fio diminuiu consideravelmente.
--- Não está na hora de comer? --- Perguntou Leo, tentando não parecer muito cansado.
--- É melhor a gente comer quando chegar na floresta. --- Argumentou Fjor.
Ainda que os cedros e pinheiros começassem a ficar cada vez mais presentes, campos ermos mais limpos desenrolavam como tapete o mundo ao norte e ao leste. O caminho que até agora percorreram fizera a volta na Montanha Umejinsel, da qual começavam a ver a face norte, mais recortada que a oriental. Passadas as duas horas da tarde apenas chegaram ao que parecia ser o início da floresta de fato. Havia uma pequena clareira no ponto em que a estrada abria caminho por entre as coníferas, com folhas de um verde escuro, porém pálido. Compartilharam algumas frutas, sentados em um círculo, incertos sobre o quanto deveriam comer. Preferiram poupar o que tinham, comendo pouco.
--- E então, Beni --- chamou Leo. --- como foi ontem à noite?
--- Hmm... Bem. Meu pai não estava em casa... Mas falar com a mãe foi bom.
--- Isso é bom. --- Disse Leila, balançando positivamente a cabeça.
E a conversa terminou. Depois de planejar a viagem no dia anterior, entregaram-se ao palco de memórias da noite. Nenhum deles foi capaz de olhar para o futuro, na distância confortável e ameaçadora em que ele estava, sem tropeçar em um passado de peças incompletas. A mãe de Leo e Fjor fora embora há tempos --- assim como o pai, que foi primeiro. A mãe de Leila também foi, mas sabia-se que já não estava mais em Heelum. Não retornaria mais, nunca mais. O pai, viúvo, vivia em Rirn-u-jir cuidando de uma família que tinha entre os membros mais doentes que sãos. Há algum tempo não se viam, pai e filha.
Beneditt, no entanto, tinha os dois pais vivos. A mãe, Serena, era uma atriz. Ficava em casa a tempos comparáveis aos do pai. Beneditt não sabia se deveria sentir alívio ou inveja ao olhar para os amigos. Sentia-se culpado por pensar daquele jeito, mas sempre que o fazia sorria com uma rápida expiração pelo nariz, abaixando os olhos para as mãos, como num cacoete; lembrava da imagem difusa da mãe levando pela mão um menino como ele. Com um cabelo como o dele, com uma roupa como a dele, caramelo, densa, de mangas e pernas longas. Ele resistia, começando a espernear. Serena, com uma expressão de profundo incômodo, lançou-lhe um intenso olhar verde, e as pupilas logo dilataram-se no reconhecimento de um erro. Depois o par de olhos que Beneditt herdara, mais calmos, voltam-se para o ponto de vista, e a farra musical da festa de torn-u-sana some numa nota que ecoa, polêmica, mais alto que o resto do arranjo.
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A Aliança dos Castelos Ocultos
FantasyNa série Controlados, a magia está em todo lugar. Os magos podem alterar os seus sentimentos, os seus pensamentos ou comandar as suas atitudes. Não se pode confiar em ninguém. No primeiro volume da série, A Aliança dos Castelos Ocultos, Heelum está...