Cordélia era a vó materna de Fjor e Leo. Já de idade avançada, não era mais tão capaz de trabalhar, e não conseguiria ganhar o suficiente para se manter se não passasse a dividir a casa com os netos e com os amigos de Leo, Beneditt e Leila.
Com pele e cabelo bem escuros, o rosto enrugado e o corpanzil lento não faziam jus à atividade da mente e a justeza do coração. Cordélia era ácida crítica de uma nova geração de músicos adeptos ao "rock de cidade". Ortodoxa, ganhava a admiração de pelo menos um dos netos, que seguiam, ao ver dela, o caminho da boa música.
--- Mas por que é que as pessoas gostam disso, então? --- perguntou Beneditt.
--- Porque esses jovens não têm nada na cabeça, meu querido...
--- Não penso assim não, vó. --- Interrompeu Fjor. --- Eu sei bem o que acontece...
--- Ah, claro... --- disse Leo, entrando na conversa e atravessando a cozinha até ficar do lado de sua avó --- Fjor e sua explicação "mágica" pra tudo...
--- Leo, você sabe que eles têm poder pra fazer isso.
--- Claro... --- dizia ele, extremamente irônico, para fugaz diversão de Cordélia.
--- Não quer dizer que todos os agentes do ramo sejam magos, mas muitos devem ser. --- disse Beneditt.
--- Obrigado, Beni --- Disse Fjor, com um olhar duro, mas agradecido. Voltou-se para o irmão novamente. --- Então você gosta de rock de cidade, querido irmão?
--- Não acho a coisa mais bonita que inventaram, não, mas não vejo problema em gostar.
--- Ah, sim. Temos músicos sem habilidade musical --- Beni concordava, balançando a cabeça com as sobrancelhas levantadas --- tocando instrumentos muito mal e cantando letras que sempre dizem a mesma coisa. Com certeza, não tem problema nenhum com esse tipo de música, não é mesmo, Beni?
--- Sem falar da falta de solos.
--- Sim. Como eles conseguem?!
--- Está vendo? É uma habilidade! --- Contra-atacou Leo, risonho.
--- É uma limitação! Se não houvessem pessoas muito empenhadas em fazer as outras se sentirem bem em relação a essa gente...
--- Fjor, para de achar que tudo de ruim nesse mundo é culpa dos magos!
--- Não, nem tudo, mas eles têm influência, Leo!
--- Ei, vocês dois, parem já com isso! --- disse Cordélia. --- Vocês têm uma apresentação daqui a pouco e não podem ficar assim, não!
Beneditt sorriu olhando o vazio à frente, como se lembrasse de algo.
--- Às vezes até ajuda, Cordélia.
Fjor e Leo ainda se olhavam como se tentassem dizer algo um ao outro sem usar a voz. Leo parecia querer mostrar ao irmão o quanto achava aquilo tudo uma bobagem. Para isso tinha que olhá-lo como se estivesse decepcionado. Fjor era o irmão menor, por uma pequena diferença de três rosanos, e Leo sabia que ele entenderia esse olhar mais do que ninguém. Já Fjor parecia querer fulminar o irmão com os olhos, pois essa era a forma mais definitiva de dizer que eles estavam em terrenos claramente opostos.
Beneditt direcionava para o chão seus amendoados olhos verdes, pensativo. Se o território fosse dividido da maneira como Fjor propunha, ele não saberia dizer de que lado estava. Rock de cidade nunca lhe agradou --- e desconfiava que os magos tivessem alguma a coisa a ver com a "proliferação" do gênero; mas como, ele nunca entendeu.
Suspirou baixinho, coçando o curto cabelo loiro. Deixou aparecer seu sorriso largo, mas ocasional e, encostando a cabeça à parede, misturou raciocínio à memória. Quase tudo nele era diferente dos irmãos, mas nem por isso parecia estar a meio caminho dos dois. Como se fosse uma terceira alternativa, seguia sendo ele mesmo.
--- Leila? --- Chamou Leo, um pouco preocupado com a demora. Ele se sentia desconfortável com atrasos.
Alguns segundos depois veio a resposta. Um som melodioso e melindroso invadira a casa, balançando a escada, fazendo Cordélia abrir um sorriso e aproximar-se para ver mais de perto.
Eram acordes completos e harmoniosos, mas rápidos, esguios e ritmados. Leila descia as escadas usando um grosso vestido negro, largo e com espaçosas mangas. Botas velhas, mas talvez por isso mesmo bonitas, provocavam um barulho domesticado no ferro. À tiracolo vinha a guitarra; os dedos da mão esquerda deslizavam pelo braço com precisão, e os da mão direita seguravam a palheta com firmeza. Ao final do último acorde, quando todos os homens da casa estavam com a boca levemente aberta e sorrisos bobos, Leila mostrou os dentes com delicadeza e até mesmo timidez, dizendo:
--- Vamos?
--- Magnífico, minha querida, magnífico! --- Disse Cordélia, respondendo por todos. Com quase lágrimas nos olhos, ela pôs-se a comentar o quanto tinha saudades dos shows de que tinha participado e das bandas que tinha visto enquanto todos se arrumavam. Beneditt agarrou sua pesada mala e Fjor, com o baixo nas costas, voluntariou-se para ajudá-lo a dividir o peso. Antes de ir até o amigo, Fjor foi interrompido por Leo.
--- Escuta, eu não sei se a magia é mesmo assim tão importante. Mas quando eu ouço isso aí... --- Ele apontou pra Leila com um aceno de cabeça. --- Eu me arrepio. Isso aí é mais que mágico! É fantástico!
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A Aliança dos Castelos Ocultos
FantasyNa série Controlados, a magia está em todo lugar. Os magos podem alterar os seus sentimentos, os seus pensamentos ou comandar as suas atitudes. Não se pode confiar em ninguém. No primeiro volume da série, A Aliança dos Castelos Ocultos, Heelum está...
Capítulo 5 - Magnífico e fantástico
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