Capítulo 5 - Magnífico e fantástico

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Cordélia era a vó materna de Fjor e Leo. Já de idade avançada, não era mais tão capaz de trabalhar, e não conseguiria ganhar o suficiente para se manter se não passasse a dividir a casa com os netos e com os amigos de Leo, Beneditt e Leila.

Com pele e cabelo bem escuros, o rosto enrugado e o corpanzil lento não faziam jus à atividade da mente e a justeza do coração. Cordélia era ácida crítica de uma nova geração de músicos adeptos ao "rock de cidade". Ortodoxa, ganhava a admiração de pelo menos um dos netos, que seguiam, ao ver dela, o caminho da boa música.

--- Mas por que é que as pessoas gostam disso, então? --- perguntou Beneditt.

--- Porque esses jovens não têm nada na cabeça, meu querido...

--- Não penso assim não, vó. --- Interrompeu Fjor. --- Eu sei bem o que acontece...

--- Ah, claro... --- disse Leo, entrando na conversa e atravessando a cozinha até ficar do lado de sua avó --- Fjor e sua explicação "mágica" pra tudo...

--- Leo, você sabe que eles têm poder pra fazer isso.

--- Claro... --- dizia ele, extremamente irônico, para fugaz diversão de Cordélia.

--- Não quer dizer que todos os agentes do ramo sejam magos, mas muitos devem ser. --- disse Beneditt.

--- Obrigado, Beni --- Disse Fjor, com um olhar duro, mas agradecido. Voltou-se para o irmão novamente. --- Então você gosta de rock de cidade, querido irmão?

--- Não acho a coisa mais bonita que inventaram, não, mas não vejo problema em gostar.

--- Ah, sim. Temos músicos sem habilidade musical --- Beni concordava, balançando a cabeça com as sobrancelhas levantadas --- tocando instrumentos muito mal e cantando letras que sempre dizem a mesma coisa. Com certeza, não tem problema nenhum com esse tipo de música, não é mesmo, Beni?

--- Sem falar da falta de solos.

--- Sim. Como eles conseguem?!

--- Está vendo? É uma habilidade! --- Contra-atacou Leo, risonho.

--- É uma limitação! Se não houvessem pessoas muito empenhadas em fazer as outras se sentirem bem em relação a essa gente...

--- Fjor, para de achar que tudo de ruim nesse mundo é culpa dos magos!

--- Não, nem tudo, mas eles têm influência, Leo!

--- Ei, vocês dois, parem já com isso! --- disse Cordélia. --- Vocês têm uma apresentação daqui a pouco e não podem ficar assim, não!

Beneditt sorriu olhando o vazio à frente, como se lembrasse de algo.

--- Às vezes até ajuda, Cordélia.

Fjor e Leo ainda se olhavam como se tentassem dizer algo um ao outro sem usar a voz. Leo parecia querer mostrar ao irmão o quanto achava aquilo tudo uma bobagem. Para isso tinha que olhá-lo como se estivesse decepcionado. Fjor era o irmão menor, por uma pequena diferença de três rosanos, e Leo sabia que ele entenderia esse olhar mais do que ninguém. Já Fjor parecia querer fulminar o irmão com os olhos, pois essa era a forma mais definitiva de dizer que eles estavam em terrenos claramente opostos.

Beneditt direcionava para o chão seus amendoados olhos verdes, pensativo. Se o território fosse dividido da maneira como Fjor propunha, ele não saberia dizer de que lado estava. Rock de cidade nunca lhe agradou --- e desconfiava que os magos tivessem alguma a coisa a ver com a "proliferação" do gênero; mas como, ele nunca entendeu.

Suspirou baixinho, coçando o curto cabelo loiro. Deixou aparecer seu sorriso largo, mas ocasional e, encostando a cabeça à parede, misturou raciocínio à memória. Quase tudo nele era diferente dos irmãos, mas nem por isso parecia estar a meio caminho dos dois. Como se fosse uma terceira alternativa, seguia sendo ele mesmo.

--- Leila? --- Chamou Leo, um pouco preocupado com a demora. Ele se sentia desconfortável com atrasos.

Alguns segundos depois veio a resposta. Um som melodioso e melindroso invadira a casa, balançando a escada, fazendo Cordélia abrir um sorriso e aproximar-se para ver mais de perto.

Eram acordes completos e harmoniosos, mas rápidos, esguios e ritmados. Leila descia as escadas usando um grosso vestido negro, largo e com espaçosas mangas. Botas velhas, mas talvez por isso mesmo bonitas, provocavam um barulho domesticado no ferro. À tiracolo vinha a guitarra; os dedos da mão esquerda deslizavam pelo braço com precisão, e os da mão direita seguravam a palheta com firmeza. Ao final do último acorde, quando todos os homens da casa estavam com a boca levemente aberta e sorrisos bobos, Leila mostrou os dentes com delicadeza e até mesmo timidez, dizendo:

--- Vamos?

--- Magnífico, minha querida, magnífico! --- Disse Cordélia, respondendo por todos. Com quase lágrimas nos olhos, ela pôs-se a comentar o quanto tinha saudades dos shows de que tinha participado e das bandas que tinha visto enquanto todos se arrumavam. Beneditt agarrou sua pesada mala e Fjor, com o baixo nas costas, voluntariou-se para ajudá-lo a dividir o peso. Antes de ir até o amigo, Fjor foi interrompido por Leo.

--- Escuta, eu não sei se a magia é mesmo assim tão importante. Mas quando eu ouço isso aí... --- Ele apontou pra Leila com um aceno de cabeça. --- Eu me arrepio. Isso aí é mais que mágico! É fantástico!

A Aliança dos Castelos OcultosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora