Dois Passos

Capítulo 10 - Lara

Eu ainda não estou pronto para partir

Porque então eu nunca saberia

O que eu deixaria para trás

Mas estou perdendo demais

Então, quando devo desistir

Pelo que tenho desejado?

(Down - Jason Walker)

Minha visão fica turva e juro que pensei que meu coração fosse fugir do peito tamanho o susto que levei ao ouvir a voz do meu namorado. Eu sou arrancada de outra dimensão e sequer tenho tempo de me recuperar. Como é que não vi esse carro estacionado aqui?! Droga! Toda semana a empresa cede um carro diferente para ele!

O tom que Rafael usa deixa explícito que ele está muito nervoso e eu estou tão perplexa que fico desorientada. Minha única reação é perguntar o que ele está fazendo lá e, eu sei, é uma pergunta idiota, mas a tarde havia sido tão agradável que me esqueci, completamente, que Rafael viria aqui hoje.

― Como assim o que eu estou fazendo aqui? Eu sou o seu namorado, lembra?

Acho que, além de tudo, esqueci como se manuseia essa cadeira de rodas estúpida porque, por mais que eu faça força, ela não sai da posição que se encontra.

Guilherme resolve se apresentar, mas Rafael apenas o encara. Quero que uma fenda se abra no chão nesse momento e não é para esconder minha cabeça, é para enterrar o Rafael, tamanha a raiva que sinto da atitude dele. Fico tão irritada que estou quase me levantando quando ele começa a falar outra vez:

― Eu te liguei inúmeras vezes e você não atendeu. Liguei para sua mãe, mas ela também não atendeu. Liguei para a Patrícia e ela não sabia onde você poderia estar... ― Como assim?! A Patrícia sabia, ela me ligou! Ah... não acredito! Finalmente consigo entender aquela ligação estranha dela. Vou matá-la quando a vir! Porque ela não me avisou? ― ...eu vim, fui embora, voltei e nada de você. Sabe há quanto tempo estou te esperando? Onde está seu celular? Por que não o atendeu? ― Nunca vi meu namorado nesse estado, ele é sempre muito controlado, mas a forma como ele está me tratando já está passando dos limites. ― Eu te falei que viria hoje e você nem se deu ao trabalho de me esperar!

― Eu saí. Você queria que eu ficasse o dia todo esperando por você? Eu também tenho uma vida, Rafael! ―As palavras saem sem pedir licença.

― Custava atender o celular ou, pelo menos, me avisar?

― E desde quando você me avisa sobre cada passo que você dá? ― Acho que perdi o controle das minhas cordas vocais.

Ouço o barulho de um veículo sendo ligado. Droga! Rafael está na minha frente, bloqueando minha visão e ele não para de falar. Escuto o carro saindo e procuro Guilherme com o olhar, tento de todas as formas vê-lo, pedir desculpas, me despedir, mas quanto mais eu me mexo, mais Rafael bloqueia minha visão.

― Que falta de consideração, Lara! Pelo visto você nem deve ter sentido minha falta. Eu aqui falando sozinho e você procurando pelo outro, na minha frente!

Foi o gatilho. Foi o pingo que faltava para o balde transbordar. Bastou aquela última frase e tudo que estava entalado na minha garganta pediu para sair. E eu dei permissão total.

― Como é que é, Rafael??! Repete, por favor! Repete que eu não me dei ao trabalho de te esperar e me conta o que é que eu tenho feito nos últimos meses a não ser esperar por você? É tudo no SEU tempo. É tudo quando VOCÊ quer e pode. E, se você não puder, eu que espere até a próxima oportunidade! Repete que eu não tenho consideração por você, mas me faça o favor de se lembrar que eu fiquei internada, fiz uma cirurgia e você me ligou uma única vez, UMA vez, Rafael! Você quer menos consideração do que isso???! Se nós formos tomar por base a quantidade de vezes que você me ligou, então eu também posso te dizer que você nem deve ter sentido minha falta ― e, nessa última frase, eu fiz questão de imitá-lo. ― E dobre a língua antes de falar de qualquer um dos meus amigos! ― Meus olhos estão embaçados. A qualquer momento, sei que as lágrimas vão me trair. ― O Guilherme me ajudou como ninguém. E mais um detalhe: o cara pelo qual eu me apaixonei um dia tinha educação, ele cumprimentava as pessoas, ele... ― Pronto, as lágrimas descem como uma enxurrada descontrolada. ― ...ele se importava comigo.