Capítulo sete

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Era óbvio que estava cansado. Eu também estava cansada. Talvez cansaço fosse contagioso, não por contato, mas por empatia. Quanto maior a afinidade com uma pessoa, maior a chance de copiarmos suas ações e sentimentos.

– É feio encarar, Alice.

– Eu não tenho muita chance de fazer isso durante o dia – respondi honestamente, sem saber o motivo. Culpei o cansaço que Henrique me passou.

– Então fique à vontade – disse Henrique, com tanta intensidade que me fez desviar o olhar. Eu não sabia como lidar com aquele Henrique cheio de confiança, roupas caras e algumas camadas de passivo-agressividade. Eu gostava dele, claro, mas duvidava que um dia as coisas entre nós voltariam ao normal.

– O que houve? – perguntei, ansiando mudar o assunto. – Para ter chegado em casa desse jeito?

– Tem certeza de que quer saber a resposta?

Se fosse qualquer outro momento, eu teria respondido não. Dessa vez assenti e, por um longo momento, achei que fosse ficar no vácuo. Henrique conseguia ser imprevisível e inconstante assim.

– Que houve? – insisti.

– Meu pai houve – respondeu, pegando a garrafa da minha mão e tomando um longo gole. – Eu não me importo de seguir os passos dele, para falar a verdade, eu adoro meu trabalho. Adoro meu curso. Adoro a rotina, as milhões de tarefas diárias. Adoro até todo o trabalho extra que ele me dá, para não pensarem que está me favorecendo por ser meu pai... o problema é que ele não para por aí. Não basta seguir seus passos profissionalmente, ele também espera que eu lhe dê todo meu tempo livre, que frequente os mesmos lugares que ele, que vista as mesmas roupas, que escolha as mesmas refeições, que me livre da minha moto, que me case e me torne respeitável o quanto antes. Não sou respeitável o suficiente, é isso?

– Você é uma das pessoas mais respeitáveis que conheço e sequer precisa de um anel no dedo para provar – eu disse, quando percebi que não havia traço algum de sarcasmo em sua voz. A ideia de ver um anel dourado em seu anelar me dava ânsia de vomito. Que elegante!

– E ainda preciso fazer as vontades da mãe, acompanhando-a em almoços e dias de compras, ouvir todos seus conselhos sobre quem eu devia namorar (mesmo que ela tenha arrumado a minha atual namorada) e todos seus conselhos sobre como eu devia ser um homem completamente diferente do meu pai.

– Que ironia...

– Acredita que eles ainda me usam de garotos de recado? – Henrique estava indignado. Seu cenho se resumia a cinco centímetros de rugas.

– Argh! – Fiz uma careta de desgosto, tomando como minha a sua indignação. Mesmo antes do evento com nossos pais, os pais de Henrique brigavam pela sua alma, como Crowley e Castiel nas temporadas antigas de Supernatural, mas na vida real. – Você devia aprender com sua irmã. Dê mensagens trocadas até eles se irritarem e te demitirem do cargo.

– Essa era a tática de Tatiana, não é mesmo? – Henrique riu baixinho, provavelmente lembrando de sua irmã mais velha. – Ela me mandou uma mensagem, avisando que viria daqui a algumas semanas... perto do aniversário da vó Ana.

– Sério? – perguntei, mal acreditando na novidade. Tatiana era uma das pessoas mais legais do mundo. Era praticamente impossível ficar de mau humor perto dela. – Que maravilha! Da última vez que a vi no Facebook, ela estava na Espanha com o... namorido?

– Acho que é isso mesmo, os dois vem vir visitar. – Tatiana era jornalista, praticamente casada com um russo. Ela trabalhava como correspondente internacional e nos fazia visitas bianuais.

Duas vezes amorOnde as histórias ganham vida. Descobre agora