PRÓLOGO

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As palavras me fugiam das mãos, como me fugiam da vida as certezas. Eu estava quebrada demais para ter a consciência das coisas que me cercavam. Envolvida em um manto de tristeza que me levava para longe da minha própria afirmação. Eu estava saboreando a minha derrota, pois havia deixado para trás a mim mesma na tentativa de resignar-me num misterioso e tortuoso sentimento que não me levaria a lugar nenhuma. Mas aquilo me tomava aos poucos, erubescia a minha tez e me fazia ser qualquer coisa menos que nada.

A casa aos poucos desmoronava, era assim que eu sentia. Sentia que todas as coisas ao meu redor não passavam de mentiras, de energias supérfluas que não me diria nada. Totalmente perdida e empalidecida por dentro, eu me desmistificava. Pouca coisa para mim me importava agora.

Onde eu chegaria com meu tormento?

Caminhei de um lado a outro da casa sem acreditar que tudo aquilo havia acontecido. Gritei entristecida, mas ávida, "eu não acredito, eu não acredito". Mas a realidade se mostrava realmente da forma que eu a temia, crua, cheirando a sangue. A que ponto a vida queria me levar.

Desacreditada e cambaleante, procurei qualquer coisa que pudesse me acalmar. Um copo repousava sobre o balcão na cozinha. Fui até ele e enchi-o com a água da torneira. Bebi-o instantaneamente. Certa sede me devorava por inteira.

A vida naquele momento, talvez, estivesse exclamando o meu nome, e eu precisava respondê-la de alguma forma. Eu não podia continuar do jeito que estava. Não podia me manter como uma desconhecida na minha própria cidade.

Eu havia deixado de ser senhora de mim, pensamentos desconexos me abraçavam, eu estava a um passo da loucura (ou a loucura já havia se apossado de mim feito um demônio). Talvez tudo aquilo não passasse de uma provação, e eu tivesse que aprender muito com aquilo tudo. Mas como é que se aprende se te deixam sagrando? Como é que se aprende se tuas forças pouco a pouco se vão, e você não sabe o que fazer de si própria? Você se olha no espelho e vê uma grande marca de tristeza no seu rosto. Você se toca e sente a sua pele fria como se estivesse morta. E no peito, no peito é uma quentura, um peso, parece que o seu coração está sendo comprimido por mãos muito fortes e ágeis.

Onde tudo aquilo me levaria. A que ponto queria chegar deus (ou a morte) com o que agora fazia comigo?

Eu precisava entender tudo aquilo, ou mais que tudo vazar aquela dor de alguma forma.

Andei mais alguns instante por dentro da casa. Entrei em todos os cômodos como se tentasse encontrar qualquer coisa que me desse um motivo, que me permitisse ser eu mesma por apenas um instante, que me libertasse daquela dor, daquele ardor. Eu estava definhando dentro de mim mesma como se castigada pelo próprio diabo.

No meu quarto havia um enorme quadro pregado a parede. Divisei apenas aqueles dois grandes olhos, e então voltei a mim como se tentasse permanecer cega e assim evitar a minha própria dor. Eu precisava evitar a minha própria dor, pois se voltava meus olhos para pontos que me lembrassem de tudo pelo que eu havia passado, eu enlouquecia, mas de qualquer forma, eu já estava entregue, a mercê de mim mesma, ou da vida, sem saber para onde ir, o que fazer, e como seguir a diante.

Saí do quarto desesperada fugindo da minha própria sombra, a espera de que lá fora encontra-se uma espécie de salvação. Mas onde? Onde pelo amor de deus estaria a minha salvação?

A porta da rua parecia gritar o meu nome. Abri-a e desesperadamente me lancei a rua em direção em busca da minha estupidez e sanidade.

Meus passos me guiavam para sabe-se lá onde, e eu continuava a tentar livrar-me da minha ansiedade, da minha dor. A impressão que eu tinha era que um fantasma me perseguia, mas um fantasma que lançasse as minhas costas todas as verdades que eu precisava que ficassem oculta.

A vida havia me pregado uma grande peça. Por um minuto achei que eu poderia ser feliz. Por um minuto, achei que estava indo em direção ao lugar certo. Mas a vida nunca nos dá o direito a certeza, nos embrenhamos em caminhos muitos, mas sempre há a possibilidade de quebrarmos a cara, de nos arrebentarmos diante das nossas próprias escolhas. E mesmo quando não se tratam de escolhas nossas, acabamos nos ferindo, acabamos nos destruindo. Pois a vida, a vida, tem uma forma cruel de nos mostrar a sua força.

Enquanto andava pensava, enquanto pensava mais me resignava dentro de mim mesma, e a grande catedral de frieza e mistério que havia construído em mim tornava-se mais firme.

De repente, começou a chuviscar. Poucos pingos aqui e ali, tocavam a minha pele, e iam deixando a rua úmida. As pessoas corriam desesperadas na intenção de se proteger. Eu permaneci no local onde estava, e deixei que a água escorresse pelo meu corpo, que me molhasse e que de certa forma me levasse por alguns minutos para longe de mim.

Angustiada e amedrontada chorei um pouco. As pessoas ao redor pareciam me olhar e se perguntar o que acontecia comigo. Então, antes que qualquer um pudesse me julgar ou adivinhar a dor que me perturbava, voltei a minha casa. 

Epicuro em meu jardim [DEGUSTAÇÃO]Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ