Meu metrô, Minha vida

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Ninguém sabia, mas Maria morava no metrô há quase 1 ano

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Ninguém sabia, mas Maria morava no metrô há quase 1 ano.

Trabalhava como faxineira no turno da noite numa empresa no centro da capital paulista. Com o que ganhava, conseguia alugar um quarto-e-sala num bairro distante na zona sul da cidade. Para ir e voltar do trabalho, gastava cerca de 5 horas por dia utilizando vários tipos de transportes públicos. Chegava em casa, cansada, e se atirava na cama sem conseguir dormir direito por conta do barulho da vida que seguia lá fora. Acordava antes de escurecer novamente, preparava um café forte e seguia para o trabalho.

Um dia, voltando para casa pela manhã, sentiu-se tão cansada que adormeceu no metrô, profundamente. Acordou 7 voltas depois, já na hora de voltar para o trabalho. Nessa noite, não se sentiu tão cansada. Pelo contrário, sentia-se tão bem disposta que terminou o trabalho uma hora antes do costume e aproveitou para dar um trato nas plantas da recepção da empresa e desamassar as cortinas da sala de reunião usando vapor de água e um bocado de paciência. Na volta para casa, não resistiu: deu uma dormidinha no acento do canto do terceiro vagão!

"Amanhã vou pra casa".

Não foi. Nem amanhã, nem no dia seguinte, ou no outro. Dormia 6, 7, 8 voltas do metrô, acordava se sentindo ótima, comprava uma muda de roupa no caminho, tomava uma chuveirada na empresa, trabalhava cantarolando e com o tempo que sobrava tirava manchas da cadeira do chefe, engomava as almofadas do sofá do lobby, limpava em profundidade e geladeira da copa.

Foi promovida: supervisora de faxina do turno da noite.

Com a promoção, veio um dinheiro a mais e uma decisão: rescindiria o contrato de aluguel do quarto-e-sala!

Maria se mudou definitivamente para o Metrô numa terça-feira chuvosa de abril. Com o tempo, passou a conseguir distinguir os melhores acentos, os vagões mais vazios e as características de cada linha. Em dia de muito calor, dormia na amarela onde tinha melhor ar condicionado, aos finais de semana, gostava de pegar a azul para ver o movimento de turistas que iam a vinham, a linha vermelha tinha os melhores pães de queijo, a verde o melhor café e a esmeralda a melhor vista.

Conversava quando se sentia sozinha, mantinha-se informada por meio da Tv Metrô ou dos jornais esquecidos nos bancos, fazia cara de brava quando não estava para conversa e descia nas estações para se movimentar. Viajava com uma pequena mala com seus pertences que, em momentos de menor movimento, servia de apoio para os pés. Uma pequena mala de mão era usada como travesseiro. A temperatura relativamente estável do metrô dispensava cobertores.

Com o passar do tempo, se recuperou por completo do stress e do cansaço acumulados por anos de trabalho e dias mal dormidos. Já não precisava de 6 ou 8 voltas de sono: 5 era mais do que suficiente.

Pela primeira vez na vida, Maria tinha tempo de sobra, dinheiro na carteira e nenhum acesso à televisão. Numa quarta-feira a tarde, escolheu uma estação de forma aleatória e foi passear. Deu uma volta nas ruas próximas ao Vale do Anhangabaú, prestou atenção num guia turístico com um grupo de visitantes de Minas Gerais e acabou por entrar no Centro Cultural do Banco de Brasil onde teve contato, pela primeira vez, com obras de arte.

Gostou.

No dia seguinte passeou pela Avenida Paulista, admirou o vão o Masp, assistiu a um grupo de teatro de rua, observou algum artesanato. E, assim, foi conhecendo ruas, museus, parques e jardins. Pegou um cineminha, ouviu uma orquestra numa praça e entrou numa livraria onde escolheu um título que muita gente lia no metrô.

Maria agora lia nos intervalos do trabalho, admirava as obras de arte na recepção e comentava a programação cultural da cidade com os seguranças noturnos. Ansiosa, se candidatou a uma vaga de telemarketing no turno da noite na mesma empresa. Passou. Ganhava mais e agora tinha acesso a um computador e internet.

Resolveu estudar à distância. Anotava os conteúdos durante o trabalho, comprava as apostilas em livrarias próximas às estações, estudava antes de adormecer no metrô e discutia alguns tópicos sobre os quais tinha dúvida com estudantes a caminho de casa, da faculdade ou do trabalho.

Ao fim de 5 anos, Maria tinha um diploma de administradora de empresa, uma poupança recheada, uma cara tranquila e uma proposta para trabalhar como coordenadora da equipe de telemarketing no turno da noite de uma empresa concorrente.

Não aceitou a proposta: no contrato ela precisaria indicar um endereço fixo.


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