Capítulo 1 - This Never Happened to Me Before

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Fazia apenas quinze minutos que aquele domingo havia se tornado oficialmente o dia do meu aniversário e eu já o odiava com todas as forças do meu profundo ser. Não que houvesse alguma culpa no pobre domingo, não me entendam mal, realmente não havia. Mas de uma forma completamente diferente de todas as que eu já havia imaginado na minha vida, aquele não era um bom jeito de se começar um aniversário, menos ainda um que começava em um domingo chuvoso como aquele.

Me lembro da última vez que tive um aniversário memorável em um domingo. Estava fazendo exatamente doze anos e tinha passado a madrugada toda acordada e pulando na minha cama de cima do beliche – já que minha irmã sempre esteve dormindo na cama debaixo pelo motivo de suas pernas serem lindamente mais longas do que as minhas e claramente, ela ser a irmã mais velha e por isso, ter seus direitos. 

Minha mãe havia prometido diversas vezes que eu ganharia um castigo ao invés de um presente se não me comportasse, mas estava ansiosa demais com a ideia de que em algumas horas eu seria uma moça ao invés de uma criança como todas as outras que moravam no final da rua.

Na época morávamos em um sobrado branco no fim da Rua Baltimore, um condomínio mediano em que as pessoas podiam aguar seus jardins e conversar, mostrar sorrisos falsos e acenar como se todos se conhecessem há séculos e amassem uns aos outros. Mas ninguém se conhecia tão bem, nem mesmo gostavam uns dos outros, afinal gostar de alguém era uma coisa que apenas nós – as crianças – poderíamos ter.

Exatamente. As crianças da Rua Baltimore podiam gostar umas das outras e rolar na lama quando chovia. Também podíamos subir em árvores e fazer limonada azeda esperando que algum vizinho comprasse por moedas de vinte e cinco centavos, roubar os gatos premiados da vizinha de cima e claro – nosso maior prazer – atazanar as crianças da rua de baixo. Mas isso mudaria no exato momento em que o dia do meu aniversário começasse.

Veja só, eu era uma vareta. Não, isso é um exagero, eu estava mais para um graveto ambulante com alguns fios de cabelo desarrumado. Enquanto Adria era uma moça perfeita em todos os aspectos, eu em oposto sempre fui um projeto de alguma coisa. Nem era muito difícil de perceber que enquanto minha irmã era a arte final eu passava bem longe de ser um esboço.

Sonhava em um dia crescer e ter peitos. Peitos. Peitos!

Sim, a motivação de minha vida de quase adolescente era muito maior do que sonhar em ser médica, veterinária, aeromoça ou qualquer dessas outras coisas clichês que as crianças teimam em ser. Eu só queria ter um par respeitável de seios. Não aquelas duas pintinhas que encarava no espelho do banheiro.

Tudo bem admito que isso fosse uma obsessão. Mas seria sua obsessão também se Adria Melissa Dalton fosse sua irmã mais velha.

Adria desfilava pela casa como um gato persa que tem aquelas almofadas macias no lugar dos pés e aquele rebolado gentil das cadeiras, atraindo os olhares por onde passava. Ela tinha apenas cinco anos a mais e era popular, respeitada e invejada por todas as pessoas que eu pudesse nomear ou me lembrar. Aquela cabeleira escura, os olhos azuis. Ela mandava no mundo e seus diplomatas eram simplesmente chamados de Seio direito e Seio esquerdo, respectivamente.

"Você ainda vai crescer um bocado. Pare de invejar sua irmã!", minha mãe insistia em dizer toda a vez que eu atormentava com perguntas sobre meus hormônios. Mas ela não sabia muito sobre hormônios e menos ainda sobre neuras na cabeça de uma garotinha como eu. Então eu decidi que deveria ter um plano B para o caso de crescer e meus peitos não crescerem como os de Adria, afinal sempre havia uma chance da genética me negar algo tão básico quanto um respeitável par de mamas.

Eu seria escritora, ou quem sabe teria minha própria livraria. Mas minha mãe não sabia do plano B. Se ela soubesse realmente não teria sobrevivido ao meu aniversário de doze anos, nem o de treze e os consequentes; com certeza teria sido ceifada em meu sono pelas adoráveis mãos maternas que me embalaram por todos aqueles anos.

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