Doze (Eron)

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Finalmente o sol se punha.

Restavam apenas filetes de sua luz alaranjada refletindo-se no sino e espalhando dezenas de rosetas no teto do campanário. Vasculhei o local com olhos atentos e, como de praxe, não havia nada, a não ser poeira, coisas antigas e um demônio.

Levantei e estiquei os músculos. Meu descanso não tinha sido dos melhores e minha raiva ainda não havia passado.

Como aquela mera mortal invadiu meus sonhos? Ela nem sequer sabe da minha existência. Pelo menos, não conscientemente.

Como ela pôde brincar comigo daquela maneira? Como se eu fosse fraco ou inválido? Como pôde?

Eu adoraria estrangulá-la por isso, mas teria que me conter, por enquanto. Ela era a chave para minha liberdade. Ela era minha. O poder dela era meu.

Observei o horizonte ganhar matizes sombrios e respirei fundo, sentindo o cheiro dela no ar. O odor fazia meu sangue fervilhar e me dava mais força. Imaginei quanto poder teria quando a fizesse minha, quando bebesse de seu sangue casto. Isso dava água na boca.

Do parapeito do campanário, observei os quartos no Convento e esperei a hora apropriada para ir até lá.

Assim que todas as luzes se apagaram, pulei contra o vento e com quatro batidas de asa estava sobre o alojamento. Planei sobre o telhado, reconhecendo o território. Lancei minha mente contra o quarto abaixo de mim e notei que todas as humanas estavam adormecidas, menos uma. Isso não seria problema algum. Com suavidade pousei sobre as telhas envelhecidas, deitei de costas, esticando minhas asas e aguardei a última garota dormir. Era mais fácil fazer o que eu iria queria sem nenhuma mente consciente para me atrapalhar.

Observei a Lua por um longo tempo, tão majestosa com sua luz alva e sua solidão no céu negro. Nenhuma estrela jamais poderia ser comparada à sua beleza. Senti vontade de honrar tal magnitude com um rugido, mas o contive na garganta. Não era um bom momento para fazer barulho.

A última garota adormeceu. Todas as respirações dentro do amplo recinto permaneciam lentas e cadenciadas. Estiquei o corpo o mais relaxadamente possível e me concentrei. Estendi minha mente até a virgem, e devagar invadi seus pensamentos. Como uma agulha, furei suas barreiras e circulei por sua mente. Ela se remexia na cama enquanto eu executava meu trabalho.

O que encontrei na mente dela? Nada assustador ou surpreendente. Era uma menina comum, com interesses comuns e uma vida comum. Até agora. Porém, sua essência era tão imaculada, tão pura que emanava poder em todas as direções. Eu precisava possuí-la. Precisei me conter para não fazê-lo naquele momento. Libertei sua mente de minha sonda e ouvi a humana pular da cama, arfando.

Permaneci em silêncio, escutando seus movimentos pelo quarto. Ela andou de um lado para outro algumas vezes, com cuidado para não acordar suas companheiras. Depois, foi até a janela e a abriu. Seu cheiro me invadiu com a força de um demônio gigante. Cravei as unhas nas telhas para me impedir de levantar e voar até ela. Amoras e flores silvestres, inspirei profundamente, torturando-me. Eu a desejava. Meu corpo a desejava. Ela era meu castigo e minha salvação.

Eu queria possuí-la. Queria fundir nossos corpos e beber seu sangue.

Minutos depois ela retornou para a cama, porém não dormiu. Continuei sobre o telhado até o amanhecer, aproveitando-me de uma fraca ligação com a virgem para absorver um pouco de seu poder.

O demônio no campanário [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora